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“Consegui mudar a Madeira. O desenvolvimento faz-se até eu sair do governo”. Os 80 anos de Alberto João Jardim

Três da tarde. Terça-Feira. Rua do Quebra-Costas, porta 53. São quase 152 metros a subir. A meio, passo pela porta 33 onde viveu Herberto Helder. No topo, do lado esquerdo – a antiga e estreita Rua da Bela Vista acaba ali -, na casa herdada da mãe, onde viveu até aos 30 anos, fica a agora Casa-museu e escritório de Alberto João Jardim. Não há lugar onde estacionar o carro.

Descemos até ao cruzamento na Rua da Carreira [uma das mais antigas ruas da cidade], e o Hélder Santos, fotógrafo, que conhece como poucos os “interiores” da política madeirense, apanha o caminho que nos deixa no parque de estacionamento, acima da “Quebra-Costas”, onde está parado o antigo Toyota do homem que durante 37 anos governou a Madeira, que fez 80 anos este sábado.

O íngreme da rua, na parte final, e o empedrado ainda são, por insólito que possa parecer a um “cubano” [disseram-me no Café do Teatro que o “mimo” inventado por Jardim foi perdendo a “provocação”], uma atração para turistas.

Tocamos à campainha. Instantes depois ouvem-se uns passos apressados. Alberto João Jardim abre a porta – está de fato cinzento, camisa branca e gravata laranja – e diz, enquanto me aperta a mão com firmeza, que chegou, ele, “uns minutos tarde” porque tinha ido “nadar”.

Subimos os seis degraus de madeira até ao corredor que tem nas paredes as memórias em fotografia de “líderes mundiais” com quem se foi “encontrando” e, claro, com o “Cristiano”. Do “doutor Soares” confessa ter “saudades”: “Escreva isso, tenho saudades do doutor Mário Soares”.

Na “salinha”, no lado esquerdo, para onde entramos, a memória “maior” é a de Sá Carneiro. A fotografia, antiga, grande, está colocada na parede por cima do piano onde estão “Barroso” e “Cavaco”, e uma caravela assente num livro sobre Leonardo da Vinci.

Sentamo-nos. Jardim fica no sofá em frente. Coloco o gravador na mesa de apoio que nos separa. “Isso grava daí? Quer que me chegue?”. Digo que não. “Então, vamos lá. Vamos a isto”.

Explico que vou falar com antigos secretários regionais, também com Miguel Albuquerque, e com antigos líderes do PS e Sérgio Gonçalves: “Esse”, diz, “é diferente dos outros”.

E os do seu partido, o que acha que me vão dizer? Ri-se. “Depois do que me aconteceu a partir de 2011, desde a comunicação social, aos grupos económicos e a certas figuras políticas, pessoas que me enfrentaram, aqui na Madeira, nos últimos 5 anos de minha vida política ativa, os conotados com a maçonaria… vou esperar para ler” – os artigos foram publicados a 15 e 22 de janeiro e podem ser lidos em www.dn.pt.

O "genocídio" de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado
© Helder Santos / Aspress / Global Imagens

Os Blandy, a NATO e as saudades do “doutor Soares”

Durante 20 minutos a conversa é sobre os primeiros anos, os primeiros governos, o que explica o poder de 47 anos do PSD, porque não consegue o PS ser governo – argumentos publicados em janeiro. Alberto João Jardim é detalhado nas explicações, mas insiste que “os ingleses” foram o seu “adversário direto”.

“Não só os Blandy, mas os ingleses todos. A família Blandy portou-se muito mal. O diário deles [DIÁRIO de Notícias da Madeira] era o porta-voz do fascismo e, de um dia para o outro, rodou 180 graus e passou a porta-voz do MFA, do PCP, do Vasco Gonçalves e disso tudo. E depois nunca me perdoaram a derrota que tiveram no 25 de Novembro”. 

“E até ao dia em que eu saí do governo, os gajos atacaram-me todos os dias. Agora tire as suas conclusões dos seus colegas de profissão. Um político atacado todos os dias durante 37 anos e um mês. E ganha dez mandatos, maioria absoluta.”

Faz uma pausa. Inclina-se para frente. Pergunta-me de novo se “isso está a gravar bem?” e diz: “Olhe que os seus colegas são muito incompetentes.” Solta uma gargalhada. Levanta-se. “Eles ficam loucos quando eu digo isto.”

“Vamos lá p’ra baixo, p’ra cozinha. Bebemos um uísque e continuamos a entrevista.” Saímos da sala, entramos no corredor, metros à frente, à esquerda, descemos uma escada inclinada. A cozinha fica à direita. Antes ainda me mostra o “quartito”, à esquerda nesse corredor – “onde, às vezes, tiro umas sornas”.

A cozinha é pequena, a mesa fica encostada à parede, no lado direito. Serve-nos “um dedo de uísque”. Tento retomar a conversa no ponto onde tínhamos terminado. Jardim ri-se. “Sou um revolucionário. Sabe porquê? Porque eu quero sempre mudar as coisas. Consegui mudar a Madeira, estou sempre a querer mudar os sistemas políticos.”

E mudou? A resposta é imediata e seca, não muito diferente do que me tinha dito uns minutos antes: “O desenvolvimento faz-se até eu sair do governo. Luz, água, saneamento básico, aqueles caminhos onde havia povoados. As pequenas estradas. E só depois é que comecei no grande. A prioridade foi o aeroporto.”

Bebe um trago. Esboça um sorriso: “E também se conseguiu o [aeroporto] do Porto Santo, mas isso quem pagou foi a NATO (OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte). Antes do final da Guerra Fria enfiei à NATO que Marrocos era um reino que podia ir ao galheiro. E aqui na boca do Mediterrâneo as bases não podiam ser em Marrocos, só podiam ter Porto Santo”.

“A sorte é que lá consegui convencer os sacanas. Os gajos fizeram-me a pista com 3 mil metros. Havia uma pista pequenina. E ainda fiz uma cena das minhas”.

Uma cena? “Veio aí uma vez o chefe de Estado-Maior da NATO, ofereci um jantar na Quinta Vigia. Só que não fui. O secretário do Equipamento Social lá explicou que “o presidente pede muita desculpa de não estar aqui, mas quis manifestar a sua indignação por ainda não se ter avançado com as obras do Porto Santo”. Olhe, eles lançaram aquilo num instante. E ainda serviu quando foi na questão das Malvinas”.

Regressamos a 1978. Mário Soares, primeiro-ministro; Jardim, presidente do governo regional.

“A relação pessoal é fundamental em política. E talvez por isso gostei muito do doutor Mário Soares. E nessa altura, lembra Jardim, “vendia-se muito a ideia do separatismo, o que é uma tontice e que eu não subscrevo, nem subscrevi. Nem antes, nem agora”. 

“Tínhamos uma boa relação, até convidei o doutor Soares para uma visita oficial. Correu bem. E ele tinha um piadão. Veio com o Almeida Santos, que foi um homem que ajudou muito a Madeira, e a certa altura nas conversações, na reunião, o doutor Soares que “tava dormindo (dava-lhe aquelas pancadas de sono depois do almoço), acorda e começa a escrever, a escrever, a escrever… e eu digo p’ro Nélio Mendonça [o secretário da Saúde]: “O Soares não está ouvindo nada e agora está escrevendo, escrevendo”.

“O Nélio diz-me que deve ser o comunicado final. E eu: “Ó homem, mas isto ainda não acabou!” De repente, o Soares interrompe a reunião e diz: “Tenho aqui uma coisa que gostava que lessem para ver se estão de acordo”. E olhe, não é que era mesmo o comunicado final!”.

Alberto João Jardim diz que a relação com Mário Soares só “se torna intranquila depois de ele ser Presidente da República. Enquanto primeiro-ministro sempre tivemos uma boa relação”. E lamenta “só nunca lhe ter tirado da cabeça essa coisa do separatismo. Ele tinha sempre um receio enorme do separatismo”.

“Dizia-lhe: “Ó senhor, nunca houve separatismo. A FLAMA [Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira] foi um movimento anticomunista e pró-autonomista. Nem confunda a FLAMA com a FLA [Frente de Libertação dos Açores]”. Mas nada. Era engraçado esses receios em homens de esquerda. Em todo o lado queriam ver independências, mas dentro de casa ficavam nisto.”

“E eu fui um dos gajos do PSD que o apoiou contra o Freitas do Amaral.” A frase é dita com ar sério, até porque, justifica, nessa altura “diziam que eu e o Mota Amaral perturbávamos o PSD”.

“Sabia que um dia o doutor Mário Soares, candidato, entrou no meu gabinete a dizer que não tinha hipótese?” E o que lhe disse, pergunto. “Fiz as contas. “Não tem como, homem? O PS mais um segmento do PSD que não quer o Freitas, o que importa é ganhar ao [Salgado] Zenha.”

“E correu bem, mas quando o gajo desata a fazer aquelas presidências abertas e a lixar o PSD, aí já achei desleal. E começo a cair-lhe em cima. E depois quando o PSD aceita o Soares [segundo mandato], aí passei-me. Disse ao Cavaco: “Então o senhor vai apoiar o gajo?”. “É melhor assim”, diz-me ele. O Cavaco punha a estabilidade acima de tudo. Um homem sério, um patriota, um pouco como o [Ramalho] Eanes.”

Mas aí as coisas azedaram, recordo. Jardim resume a zanga numa frase: “Começo a cair-lhe em cima e o Soares fica lixado comigo. E vem outra vez com o défice democrático. Eu estuporo e digo que ele é um mentiroso relapso e contumaz. E ele vai ao [Jorge] Sampaio fazer queixa, que eu tinha sido indecoroso”.

“Isto é o Sampaio que me conta. E o Sampaio dá-me razão. Olha, o Soares cortou relações pessoais comigo. Mas fizemos as pazes. Escrevi-lhe uma carta. Ele respondeu. Aliás, no Conselho do Estado, estávamos lado a lado. Nas reuniões havia uma ordem para falar, mas havia sempre uma exceção p’ro doutor Soares que tinha que sair mais cedo, tinha sempre um jantar. Eu um dia disse-lhe: “Oiça lá, a gente grama isto e o senhor tem sempre um jantar nestes dias”. E ele? “Faça você o mesmo”. “Tá” a ver? Tenho mesmo saudades do doutor Soares.”

O "genocídio" de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado
© Helder Santos / Aspress / Global Imagens
Sá Carneiro, Balsemão e como os franceses pagaram o aeroporto

Podemos voltar atrás no tempo? Jardim ri-se e volta a dizer-me que é “um revolucionário”. E Mota Pinto, primeiro-ministro, como foi a relação? “Excelente. Só que ele – aliás fui aluno dele – não teve tempo de concretizar. Mas lembro-me bem do Jacinto Nunes, que era vice, me aconselhar. As receitas mal davam para as despesas correntes e ele disse-me o que fazer: “Recorra à dívida pública, mas rigorosamente para investimento. Nem um tostão para despesas correntes”. Acabou por ser presidente da assembleia-geral da Zona Franca. E gostava muito de vinho branco da Madeira”.

E depois, acrescento, vem a Maria de Lurdes Pintassilgo. “Nem nunca falámos. Um dia até me ligou o Mota Amaral, estava eu de férias no Porto Santo, a dizer que era chato eu não aparecer à Pintassilgo”. Chato? “Disse-lhe: “Ó homem, tenho lá pachorra. Isto é para 60 dias”. 

“Isto é aquele célebre governo em que o Sousa Franco, ministro das Finanças, não punha lá os pés. Aliás, até encontrei o Veiga da Cunha [ministro da Educação] no Porto Santo a passar férias. “Ouve lá, não tens que fazer em Lisboa?” E ele a dizer que estava no governo pelo curriculum, que aquilo era por pouco tempo.”

Sá Carneiro vem a seguir, digo. E aqui o rosto de Jardim altera-se. Fica sério. “Devo-lhe tudo. Já o conhecia desde a fundação do partido. Foi a pessoa que mais me ajudou, mesmo na vida, que mais me influenciou, que mais me doutrinou.” Tanto assim? “Sim. Fui sempre sá carneirista. Por isso é que apoiei o [Rui] Rio, que é dos últimos sá carneiristas”.

“O Sá Carneiro era um autonomista, talvez por ser um homem do Porto, por ser um homem muito influenciado pela Doutrina Social da Igreja Católica. Agora, neste momento, os adversários da autonomia são os liberais que ocuparam o PSD”.

O PSD daqui? “Sim”. Quem ? “O povo sabe”, responde Jardim. Insisto. Mas quem? “O povo sabe”. Não quer dizer? “… [pausa] adiante falaremos”.

E depois vem Balsemão… Jardim não deixa sequer que complete a pergunta. “Foi um bom autonomista. Ele completou uma série de transferências de competências que o Sá Carneiro não teve oportunidade de completar. Tomou decisões importantes”. Quais? “O Sá Carneiro tomou decisão de criar a Zona Franca da Madeira e de se fazer um aeroporto. Depois o Balsemão é que deu origem aos estudos necessários. E depois foi o Cavaco que mandou começar a obra. E quem pagou foi a Madeira”.

Não foi só a Madeira, corrijo.

“Metade a Madeira, metade a União Europeia. Ele encontrou um sistema com a ANA Aeroportos e a região autónoma”. Sistema? “Fizemos uma sociedade e os lucros eram para abater nos 50% do custo da obra. Fizemos um empréstimo ao BEI em que íamos abatendo com o lucro do aeroporto. Só que havia um problema: o aeroporto do Porto Santo dá prejuízo.”

E então?

 “Com este acordo com os franceses [Vinci], a certa altura apercebi-me de que os gajos não faziam o contrato de Faro, Lisboa, Porto e Ponta Delgada se a Madeira não entrasse”. E fez o quê? “Só entro nisto se os senhores assumirem a dívida que falta pagar pelo Aeroporto da Madeira. E eles assumiram.”

“Bebemos mais um?” Levanta-se e volta a pôr mais “um dedo de uísque”. E conta a história de Marques Mendes que lá tinha ido, há uns tempos, e que “bem que bebe aquele homem. Ia-me deitando abaixo uma garrafa de Madeira, das antigas. Também ajudei”. E ri-se da recordação.

O "genocídio" de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado
© Helder Santos / Aspress / Global Imagens

A desilusão com Santana, as assinaturas para Cavaco e o ofensivo Guterres

E Cavaco Silva? “Temos que ir ao princípio”, diz Jardim. “Conversámos à porta de casa dele, no Algarve. “Você vai à Figueira?” E ele… “Ai e tal, não sei”, que tinha um carro novo. “Ó homem, faça a rodagem e vá lá”… e acabou por ir.

Nesse Congresso eu estava a presidir à mesa e o Cavaco, depois daquele discurso em que levou uma assobiadela [defendeu apoio a Freitas do Amaral para Presidente da República], veio ter comigo no dia seguinte a pedir para falar de novo ao Congresso. “O que precisar, senhor professor,, tem o tempo todo que quiser”.

“Dei-lhe a palavra, ele falou o tempo que quis. Depois: candidato. A certa altura, estava-se no limite para a meia-noite, vem ter comigo e diz que lhe faltam assinaturas, creio que quatro ou cinco. “Dê cá isso” e assinei por cinco gajos da Madeira.

Depois tive que ir ao hotel bater à porta deles: “Olha assinei por ti”. Era uma bronca se o homem não se candidatasse. O outro era o [João] Salgueiro. Gosto muito dele, mas não é o meu género. “Se amanhã perguntarem se assinaram, digam que sim”. E pronto, fez-se”.

Mas isso foi, permita-me, falsificar assinaturas. Não ficou preocupado? “Ó homem, foi ajudar o Cavaco. Ele foi eleito, foi primeiro-ministro, foi Presidente da República.”

E a sua relação com ele, o “senhor Silva” como chegou a dizer? “No princípio foi difícil. Havia ali uns yuppies, aqueles meninos da nova vaga cavaquista que convenceram o Cavaco que quem fazia a desestabilização no partido eram as regiões autónomas, que era eu e o Mota Amaral. E notei, nos primeiros meses como primeiro-ministro, um certo distanciamento, uma certa desconfiança. Olhe, utilizei aquela técnica do convívio. Resultou. Ainda hoje, de vez em quando, falamos ao telefone.”

Quase que adivinho a sua resposta quando disser Guterres, digo. Jardim toma um ar sério. Coloca os cotovelos na mesa. “Eu temo pelo mundo quando Guterres é o Secretário-geral da ONU.”

Encosta-se para trás na cadeira. “Há aqui uma questão ética que não abona ao Guterres.” Ética? “Ele inventou a do défice democrático ao ponto do doutor Cunhal aparecer e dizer que se há défice democrático é em todo o país, não é só na Madeira.”

Era assim tão ofensivo? Jardim olha-me sério.

“Isso era ofensivo para nós. Ele queria ganhar. No meio daquela piedade toda, havia um forte sentido partidário, escola do PS. O PS é hoje nacionalmente um partido, em termos de organização, um pouco estalinista. O PS é o Estado, o Estado é o PS. Há a partidarização do Estado. O PSD nunca teve jeito para isso. O Guterres fez tudo para que eu fosse derrotado nas eleições.”

E então?

O contrário é que seria estranho, digo. “Como executivo é um zero. Ele está como Secretário-geral da ONU porque os interesses que mandam no mundo querem que tudo continue na mesma.”

E então o “perdão” de dívida? “Isso é uma tontice que estes tipos daqui ainda não perceberam. Ele não pagou dívida nenhuma. O estatuto político-administrativo, aprovado quando Cavaco era primeiro-ministro, dizia que as receitas provenientes das instituições públicas que foram privatizadas na Madeira ficavam na Madeira”.

“O Cavaco saiu e não se conseguiu chegar a acordo nas contas. E eu levantei a questão ao Guterres. E ele, um dia, liga-me para o telefone de casa, quem atendeu foi a minha mulher, para me fazer uma proposta. “Queria fechar isto, o Sousa Franco também está de acordo”, disse-me ele. Mas impôs uma condição:

“Não vai receber este dinheiro, isto vai para abater na dívida pública da Madeira”. Ofereceu 100 milhões. E eu disse: “Por 100 milhões, não. 110 milhões e fica fechado”. E ele concordou. Ou seja: ele pagou o dinheiro que era nosso e eu aceitei tudo por 110 milhões de contos.”

E o [Durão] Barroso? A resposta é breve: “Foi sempre uma pessoa que me apoiou imenso. Fizemos mais umas transferências de competências com ele. E depois foi sempre muito meu amigo. Pôs-me em vice do PPE. Gostei imenso. A gente tem é que conhecer pessoas e falar, falar com elas. Quando o Miguel [Albuquerque] às vezes diz que vai mandar uma carta, digo logo…”Ui “tás tramado””.

Santana Lopes? “Não gostei dele”. Não? “O Pedro é um homem imprevisível. E tanto ajuda como está contra nós”. Dê-me um exemplo. “Quando foi aquele Congresso que para desgraça do PSD ganhou o [Fernando] Nogueira – e o declínio do PSD começou nesse congresso com uma mediocrização do PSD, o emprego p’rá prima, p’rá afilhada, uma decadência – eu era o número dois da lista do Barroso”. 

“O Santana também concorria, mas havia uma questão pessoal entre o Barroso e o Santana e eles não se falavam. Os mais trauliteiros apoiavam todos o Nogueira e eu disse ao Barroso que tínhamos que pôr o Santana Lopes a dar os votos dele, que isso é que vai decidir. Falei com o Santana, ele aceitou a conversa pessoal direta a sós com o Barroso. Isto foi no Coliseu, a conversa entre eles foi no palco por trás do pano, do lado direito de quem estava voltado para o palco”.

E depois?

“O Barroso chega ao meu pé e diz que sim, que correu bem. Fiquei descansado. Anjola, eu”. Porquê? “A gente perde aquilo por 46 votos. Depois veio a descobrir-se que 313 dos inscritos moravam na casa do [Luís Filipe] Menezes. Veja a bandalheira que aquilo foi”. 

“Vou ao Santana: “Ó homem, você afinal ontem não disse nada. Não disse que apoiava o Barroso”. E ele a dizer que “ai, isso também era de mais, dei a entender”. E quando ele foi primeiro-ministro e o Sampaio dissolve aquilo disse-lhe para resolver, ainda tinha uns 40 dias, o que ainda estava por resolver com a Madeira, antes que isto [o governo] caia nas mãos dos PS”. E? “Não me resolveu uma coisa que fosse. Voltou àquilo do “ai, isso também era de mais””.

O "genocídio" de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado
© Helder Santos / Aspress / Global Imagens

O genocídio de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado

E José Sócrates? “Não nos falávamos, acabámos amigos. Fizemos as pazes no dia dos aluviões. O gajo foi impecável. Combinámos um plano de apoio à Madeira. Estava de férias no Porto Santo e telefona-me o Sócrates: “Tenho uma proposta para lhe fazer. Suspende-se o que está no Orçamento do Estado [OE], arranja-se uma lei para isso, por quatro anos. E eu compenso. O dinheiro que você ia receber dali do OE, vai receber na lei de apoio à recuperação dos aluviões”.

“E eu: “Ó homem desde que eu não perca dinheiro você faça como quiser”. E ele: “É que não posso perder o Teixeira dos Santos”. A certa altura ele não falava com o Teixeira dos Santos e disse-me: “Quando precisar de tratar coisas das Finanças vai falar com o Emanuel dos Santos”, que era um secretário de Estado da confiança dele, “sem o Teixeira dos Santos saber”. E eu [risos]… porra de país em que eu estou metido.”

E Teixeira dos Santos? “Só soube disto por mim, um dia que me convidou para jantar, anos depois. Ficou branco.” [Risos].

A gargalhada foi quebrada de rompante. Bastou perguntar por Passos Coelho. “Aí é mais grave, aí é mais grave. O Passos é um situacionista do sistema político. O Passos nunca tolerou que eu fosse adversário político do sistema constitucional de 1976. O Passos nunca entendeu as autonomias, porque é um retornado de África. E acha tudo isto uma ameaça à unidade nacional”. 

“E o Cavaco também não gostava muito dele. O Passos começou a apoiar o [Miguel] Albuquerque contra mim. Chegou ao ponto de vir à Madeira homenagear os ingleses que tinham sido contra o PSD o tempo todo. E a última foi quando houve aqui, no Congresso, a passagem de testemunho. Fundei o partido aqui, dei 40 e muitas vitórias ao partido, consegui mudar um pedacinho a Madeira, e ele nem uma palavra teve para mim. Nem sequer um “Olha, obrigado Jardim”. Nada”.

“Foi como se eu não existisse. Isto é ofensivo. Vim a saber que ele tinha dito numa reunião que “O Jardim, daqui a três meses, ninguém se lembra dele”. Olha o sacana!”

O tom depreciativo aumenta. Quase não preciso de fazer perguntas. “O que ele fez foi uma política de genocídio social. Não se recupera uma economia cortando salários, recupera-se travando a inflação. Não se tira poder de compra às pessoas. Não se vai tirar a uns desgraçados, já com reformas vergonhosas, o pouco que têm. O que ele fez ao país é imperdoável. É a negação da social-democracia.”

Por instantes, um silêncio. Jardim beberica um pouco. E se o Passos Coelho regressar?, pergunto. Jardim olha-me em espanto e responde sem hesitar: “Se ele vier eu tenho que votar noutra pessoa qualquer.”

O "genocídio" de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado

Os sacanas, a maçonaria e o guerrilheiro que não quis ir de cavalo para burro

E o seu PSD daqui? “Começou mal depois de mim, mas “tá” entrando na calha. E parece-me um erro, mas a Madeira está a ser influenciada por aquilo que se está a passar no país, que é a substituição do Estado Social pelo Estado Assistencialista”.

“Esta gente pensa agora mais nos votos . O assistencialismo mantém a pobreza. Dá esmola, fica tudo igual. A política tem que ser a do investimento, criação de emprego, salários justos. Foi sempre a minha receita.”

Já passa das seis da tarde. Alberto João Jardim só agora manifesta alguma moléstia, o cansaço de mais de três horas de conversa. Nunca saiu daqui porquê? “Não ia para lá ser secretário de Estado ou ministro de nenhum primeiro-ministro. Ia de cavalo para burro. Baboseira de filho único, o meu casulo”.

“Guerrilheiro, fiz política de guerrilheiro, mas o guerrilheiro não sabe lutar com sucesso fora do seu meio. Fora daqui não seria tão bom. A tese do Cavaco também era um pouco esta: “Você na Madeira é uma coisa, fora da Madeira vai ter que provar”.

E a tal candidatura a Presidente da República? “Se fosse candidato era para ganhar. Numa campanha que eu perdesse estaria a criar anticorpos que poderiam lesar a Madeira. Em Portugal é preciso duas coisas para ser ser Presidente: apoio de um partido, e nunca tive apoio do PSD para ser Presidente, e apoio da maçonaria – sem apoio da maçonaria ninguém é Presidente”.

“E a maçonaria esteve fortemente empenhada na minha substituição aqui. Lá, o PSD gostava de mim aqui, mas não queria muito que eu estivesse lá, porque sabem que não dou água a pintos, nem mordomias e que a incompetência vai toda ao galheiro.”

E o Albuquerque? “Enfrentou-me uma vez e perdeu. A maçonaria esteve fortemente ligada ao processo da minha substituição. Não estou a dizer que o Miguel seja da maçonaria, mas estiveram fortemente empenhados na minha substituição (…).

Tenho maioria absoluta em outubro de 2011, mas os gajos em 2012 querem eleições para me porem na rua, para me afastar. A certa altura eu tinha mais adversários dentro do partido do que na rua, as pessoas que votavam. Na rua estava bem, o problema era aqueles sacanas lá dentro [do partido]”. A verdade é “só uma”, diz: “Deixei-lhes o partido com maioria absoluta. Só perderam depois do Alberto João sair” e, além do mais, quando Miguel Albuquerque o “enfrentou, já tinha o Passos Coelho por trás”.

O “guerrilheiro”, como se definiu, deixa um aviso: “Podem chamar-me tudo, mas se dizem que sou ladrão… aí vou ao focinho aos gajos.”

Reação do Diário

O "genocídio" de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado

Ponto 1.

Alberto João Jardim demonstra que ainda não superou a frustração de ter saído pela porta pequena do governo e do partido que liderou, sabe-se bem como durante décadas, sem nunca conseguir calar-nos. Também denota que tem um peso na consciência e que não conseguiu exorcizar os fantasmas que o atormentam, depois de espatifar 5 milhões de euros por ano no Jornal da Madeira, que o levava ao colo, apenas com o intuito de tentar fechar o DIÁRIO.

O antigo presidente madeirense fomentou a concorrência selvagem e desleal com dinheiros públicos também porque tinha aversão à liberdade de informar. Há inúmeros casos que o provam:

. Jardim manteve refém dos seus caprichos o Jornal da Madeira para poder interferir nas opções editoriais, desvirtuar o seu estatuto – “um diário de perspetiva cristã, aberta a um são pluralismo ideológico, na fidelidade ao Evangelho” – e nele publicar artigos sem assinatura ou reproduzir discursos oficiais, humilhar companheiros de partido e opositores, fazer propaganda ao seu governo sem contraditório, incentivar ao dumping e à ilegalidade… com a agravante de nele deixar uma dívida superior a 50 milhões de euros. Desta forma, atentou contra o pluralismo na Região, como consta da deliberação da Entidade Reguladora que, em 2010, diagnosticou estar perante “um risco objetivo e grave para a preservação de um quadro pluralista no subsetor da imprensa diária na Região Autónoma da Madeira, que justificará a adoção de medidas, da parte do governo regional, que suprimam os efeitos nefastos que a sua atuação tem provocado”.

. Jardim mandou fazer um inédito inquérito parlamentar à comunicação social com o claro intuito de liquidar a informação livre e independente, com conclusões previamente encomendadas para dar cabo do DIÁRIO de Notícias da Madeira. Já antes havia decretado morte a este jornal, ao cortar assinaturas e publicidade, ao proibir os dirigentes social-democratas de nele darem opinião, ao exortar o boicote empresarial, ao ofender sistematicamente os administradores e até ao rasgar um exemplar nos “passos perdidos” da Assembleia Regional.

. Jardim condicionou liberdade de imprensa na Madeira e ridicularizou-a. Aliás, em pleno Parlamento regional, em 2012, gritou: “Não me venham com essa treta da liberdade de imprensa”. Pudera. As entidades reguladoras instaram o Governo Regional a observar determinadas obrigações de modo a fazer cessar a violação da Constituição da República Portuguesa, do Tratado da União Europeia, da Lei da Concorrência e da Lei da Imprensa. Nunca cumpriu.

. Jardim beneficiou do facto de poucos terem batido o pé ao regionalíssimo folclore do ‘deixa passar’. Ou seja, Jardim agiu como quis porque a República deixou. Obteve o silêncio cúmplice de algumas entidades, a parcialidade de outras e fez tábua rasa de recomendações que visavam pôr cobro à influência e ao tratamento desigual imposto pelo Governo Regional, o que fez da Madeira uma espécie de “offshore” em matéria de comunicação social.

Ponto 2.

Alberto João Jardim usava uma estratégia de ostracização da oposição, escolhendo como inimigos preferenciais aqueles que não disputavam eleições. Concentrou todo o odioso no DIÁRIO de Notícias da Madeira pois sabia que não íamos a votos. De modo geral, cultivou uma relação hostil com o DIÁRIO por uma questão de sobrevivência política, e passou o tempo a ofender publicamente jornalistas a quem chamou nomes irrepetíveis e em relação aos quais desenvolveu campanhas abomináveis. Discriminou e perseguiu profissionais, moveu-lhes processos judiciais e foi um dos responsáveis pelo desemprego gerado no setor. Foi uma relação que não nos deixa saudades. Mas convém lembrá-la. Para que a história não se repita.

Alberto João Jardim sempre lidou mal com a imprensa livre e com o dever de escrutínio dos jornalistas do DIÁRIO em relação à sua governação. Sempre confundiu a nossa missão de informar com “ataques” e julgou que as notícias apenas deviam legitimar a sua atuação. Não percebeu que aos jornalistas cabe dar o máximo de informações aos cidadãos para que estes possam fazer escolhas conscientes e em liberdade, nunca se substituindo às opções individuais respeitáveis.

Ponto 3.

Julgávamos que o capítulo jardinista, de má memória na história da Madeira, estava encerrado. Mas pelos vistos há uma necessidade tremenda do antigo governante em manter-se no palco mediático pelas piores razões, mantendo uma postura interesseira por conveniência política, fingindo enorme disponibilidade para comentar, reagir ou provocar, numa aparente cooperação com a missão de informar, mas que não passa de manobra revisionista mal sucedida quando a sua versão da história é confrontada com os factos.

O legado jardinista é extenso e em grande parte meritório no capítulo do desenvolvimento da Região. Mas o antigo presidente, com apetência para o branqueamento, para além da dívida colossal, deixa diversos expedientes vergonhosos. Trata-se de manobras que atentam contra a democracia e mancham o jornalismo; que instituíram cunhas e borlas, insultos e preconceitos; que obrigaram a obediências cegas e incompreensíveis; que governamentalizaram instituições e muitos dos mais influentes; que expropriaram liberdades individuais e adiaram uma cidadania sem medo de dar a cara e opinião; que geraram défices democráticos e pressões abusivas… estratégias que comprovaram Governo a mais na sociedade madeirense e uma ânsia tresloucada do poder desgastado em tudo controlar sem ouvir ninguém, devaneios que em termos de comunicação social desvirtuaram a sã concorrência, desregularam o mercado e corromperam as relações.

O "genocídio" de Passos e como Teixeira dos Santos foi enganado
© Helder Santos / Aspress / Global Imagens

Fonte: Diário de Notícias / Portugal