Só a liga portuguesa tem mais treinadores portugueses que o futebol brasileiro. Se no verão de 2019 era apenas um (Jorge Jesus), a época de 2023, que vai começar dentro de dias com os Campeonatos Estaduais, terá sete técnicos lusos entre a elite brasileira e com Abel Ferreira à cabeça e na defesa do título do Brasileirão (arranca em abril). Os também repetentes Vítor Pereira (Flamengo), Luís Castro (Botafogo) e António Oliveira (Coritiba) têm este ano a companhia de Pedro Caixinha (Red Bull Brigantino) Renato Paiva (Bahia) e Ivo Vieira (Cuiabá).
O número é ainda mais relevante tendo em conta que antes de Jorge Jesus abrir de vez o caminho do Brasil aos portugueses, com o estrondoso sucesso no Flamengo (Brasileirão e Taça Libertadores num ano), apenas seis portugueses tinham treinado em terras de Vera Cruz e nem todos entre a elite: Paulo Bento, Sérgio Vieira, Paulo Morgado, Luís Miguel Gouveia, Jorge Joreca e Ernesto Santos.
Mas se Jesus abriu a porta para a chegada de nomes como Augusto Inácio, Sá Pinto, Paulo Sousa e até Abel Ferreira, foi o “Portuga de Penafiel” que a manteve escancarada para a chegada de mais meia dúzia de compatriotas ao superar as conquistas de Jorge Jesus e fazer história no Palmeiras com cinco troféus em três anos.
A nova época começa com essa certeza: o primeiro troféu será ganho por um português. No dia 22 de janeiro, o Palmeiras de Abel jogará a Supertaça do Brasil com o Flamengo agora de Vítor Pereira, que é também o mais sério rival na luta pelo Brasileirão, que só começa no dia 15 de abril – numa das edições mais disputadas da história, com 15 dos 17 campeões entre os 20 participantes.
E com este dado histórico: o primeiro campeão do Brasil, o Bahia, será orientado por Renato Paiva (natural de Pedrógão Pequeno, Castelo Branco), um dos três novatos, que se estreará frente ao Juazeirense, no dia 11 de janeiro, no torneio estadual. Ver vídeos do Fontenova cheio fê-lo ficar “ansioso” para vivenciar a “paixão vibrante dos adeptos” no estádio.
O técnico tricolor explicou ao DN que “não podia ignorar o convite de um histórico”. O gigante baiano tem estado adormecido, mas subiu de divisão e tornou-se “desafiante” para o português: “Sou um treinador de projeto e por isso aceitei de imediato. Ter o profissionalismo e a estabilidade do Grupo City por trás… não podia pedir mais e com esse acrescento de jogar o Brasileirão. Para mim é um orgulho estar no ano zero e espero ser o catalisador técnico desse projeto.”
“Encaixado” com as ideias do Grupo City – pertence ao sheik Mansour bin Zayed dos Emirados Árabes Unidos, detentor do Manchester City – , que prometeu investir 182 milhões de euros ao longo dos próximos 15 anos no Bahia, o treinador português assinou até 2025 para fazer crescer o clube e colocá-lo num patamar mais elevado. E sem a muleta da nacionalidade e esse hábito de catalogar os treinadores pela influência pontual num país.
Renato acredita que o Grupo City já o teria debaixo de olho pelo trabalho que fez na formação do Benfica durante 16 anos e não por ser português: “Quando vês alguém triunfar queres ir buscar mais à mesma fórmula. O trabalho extraordinário de Jorge Jesus e Abel tem esse mérito. Deixaram marca e mostraram a quem manda que nós, portugueses, merecíamos um outro olhar. Mas não vejo isto pela bandeira, embora seja inegável que o treinador português tem um impacto mundial inacreditável.”
Ele que o diga. Foi Campeão no Independiente del Valle (Equador) e tornou-se o 36. º treinador português a ser Campeão no estrangeiro, “um sinal de como Portugal debita técnicos para o Mundo”.
Renato Paiva pode até achar que a nacionalidade não chega para ser contratado, mas, no Brasil, ser português já é um requisito importante e tem revolucionado as odds das casas de apostas, que movimentam milhões de euros.
Numa reportagem da Globoesporte, a Betano justificou as odds mais baixas nos jogos de equipas treinadas por portugueses, com a “organização defensiva”, que é a imagem de marca dos técnicos lusos, explicando que as probabilidades de uma equipa vencer são inferiores quando têm pela frente uma outra equipa treinada por um português.
A metodologia de treino dos portugueses tem sido diferenciadora. E não é por acaso. O modelo da formação de técnicos tem sido elogiado e até foi copiado pela UEFA, sendo que Portugal é o quarto país europeu que mais forma e o sexto que mais exporta, segundo o Observatório do Futebol. Para ser um técnico de elite (UEFA A) são precisos oito anos, cerca de oito mil euros em licenças e quatro estágios que capacitam a atuar nas partes tática, física, técnica e psicológica.
De Abel a Ivo. Quem é quem…
Abel Ferreira (natural de Penafiel) vai defender o título. O técnico chegou ao Palmeiras em 2020 e conquistou o primeiro troféu no Verdão com apenas três meses de trabalho(Taça do Brasil) e nunca mais parou. Em 2022 juntou o Brasileirão (11.º título da história do clube paulista) às duas Taça Libertadores.
Em 2023 terá a difícil missão de se superar a ele mesmo numa equipa que é a sua cara e mateve o menino Endrick (vendido ao Real Madrid, continua no Verdão até 2024), que lançou com 16 anos. E terá de lidar com o orgulho ferido de não ter sido (ainda) convidado para selecionador do Brasil, como muitos esperariam e até apostavam que acontecesse.
Abel pode começar o ano e a época com novo troféu. A estreia no campeonato paulista está prevista para o dia 14 de janeiro, contra o São Bento, e no dia 22 irá disputar a Supertaça do Brasil… com o Flamengo de Vítor Pereira.
Depois de treinar o Corinthians (terminou o Campeonato em 4.º), o treinador natural de Espinho pediu para sair do Timão devido a um problema familiar, mas foi colocado na rota do Fla. O currículo fala por ele – Bicampeão no FC Porto, festejou o título no Olympiacos (Grécia) e no Shanghai SIPG (China), passando ainda por Al Ahil Jeddah (Arábia Saudita) ou Fenerbahçe (Turquia) -, mas não terá vida fácil. No Mengão terá de lidar com a alta exigência da maior torcida do Mundo, que lhe exige o 9.º título da história, e ainda com a fúria dos adeptos do Corinthians.
A estreia de Vítor Pereira será no dia 12, com o Audax-RJ, para a Taça Guanabara. O mesmo adversário testará Luís Castro no primeiro jogo da época, dia 15, mas a contar para o Campeonato Carioca. O técnico natural de Mondrões (Vila Real) chegou ao fim do campeonato da época passada a meio da tabela (11.º), mas a turbulência no Botafogo ameaçou a continuidade no cargo. Os ordenados em atraso, a falta de reforços e a quase ausência de planeamento para a nova época levaram-no a ponderar deixar o Glorioso do Brasil, que há anos tenta chegar ao 3.º título, após as conquistas de 1968 e 1995.
“Fazer um campeonato mais estável, sabendo que isso vai ser quase impossível dada a enorme alternância de resultados que existe. Fazer melhor seria entrar na Taça de Libertadores. Isso seria fantástico”, confessou ontem Luís Castro. “Não diferencio treinadores brasileiros, portugueses, ingleses, japoneses… Treinador é treinador. É verdade que os treinadores portugueses são hoje apetecíveis. Os bons resultados têm sucedido, a metodologia aplicada é interessante e apreciada em todo o mundo”, disse o técnico do Botafogo, sem problema em apontar Palmeiras (de Abel) e Flamengo (de Vítor Pereira) como candidatos ao título.
Já António Oliveira (natural de Lisboa) representou quatro emblemas brasileiros nos últimos três anos. Começou em 2020 como treinador dos Sub-23 do Santos, sendo depois promovido a adjunto de Jesualdo Ferreira, que acabaria por sair, levando também a que o jovem técnico sem carreira em Portugal mudasse para os Sub-23 do Athletico Paranaense.
O bom trabalho levou a uma promoção supersónica à equipa principal onde fico até ao final da temporada 2021. E já em 2022, depois de uma experiência falhada na formação do Benfica, voltou ao Brasil para ajudar o Cuiabá a manter-se no Brasileirão. Terá agora nova oportunidade ao serviço do Coritiba, o primeiro clube paranaense a conquistar o título (1985) e onde se estreará a 14 de janeiro, frente ao Rio Branco-PR para o Campeonato Paranaense.
Também seduzido por Terras de Vera Cruz pela primeira vez, Ivo Vieira (natural de Machico, Madeira) irá orientar o Cuiabá… que o ano passado foi orientado por António Oliveira e se manteve na elite. O clube da região de Mato Grosso apostou no antigo técnico do Gil Vicente e Moreirense, com estreia marcada para o dia 21, frente ao Mixto.
Ivo Vieira terá a primeira experiência na América do Sul, um continente onde Pedro Caixinha (natural de Beja) se tem dado bem, especialmente no México, onde fez a maior parte de sua carreira e onde conquistou vários troféus. O antigo adjunto de José Peseiro no Sporting foi o último dos portugueses a ser anunciado – o 17.º na história – e será o comandante do projeto Red Bull Brigantino – um dos sete clubes do monopólio Red Bull. Será a primeira experiência no Brasil e terá estreia de fogo: com o Corinthians, dia 15, para o Paulistão.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
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