Se 2016, ano da sua primeira eleição, a 24 de janeiro, foi “o ano da gestão do imediato, da estabilização política e da preocupação com o rigor financeiro”, Marcelo pediu ao governo de Costa que 2017 fosse “o ano da gestão a prazo e da definição e execução de uma estratégia de crescimento económico sustentado”, da “estabilidade social e política”.
Em 2018, ainda no rescaldo dos incêndios do ano anterior, surgiu um alerta: havia que tirar “lições” do que tinha acontecido. Depois, a palavra já não foi utilizada, mas deixou uma lição sobre os sucessos económicos que o PS reivindicava e que Marcelo também assinalou: o que nesse ano existia tinha “começado no governo anterior de Passos Coelho e Paulo Portas”.
No ano seguinte, em 2019, ano de três eleições (legislativas, europeias e regionais na Madeira), surgiram avisos contra as arrogâncias, radicalismos e, quase óbvio, contra as promessas eleitorais impossíveis de concretizar. O caminho, outro aviso, devia ser cauteloso: “Podemos e devemos ter a ambição de assegurar que a nossa economia não só se prepare para enfrentar qualquer crise que nos chegue”, mas ter, também, “a ambição de ultrapassar a condenação de um em cada cinco portugueses à pobreza e a fatalidade de termos portugais a ritmos diferentes”.
Em 2020, na Ilha do Corvo, nos Açores, pediu um novo ciclo de “esperança” que traduziu por “governo forte, concretizador e dialogante” com “capacidade de entendimento entre partidos”. Prioridades? Saúde, governação, coesão, Educação, investimento e o combate às alterações climáticas.
No ano seguinte, em 2021, não houve discurso de Ano Novo. Era ano de eleições presidenciais e Marcelo estava na corrida. As notas, os recados políticos, o exame do reeleito presidente chegaram na tomada de posse com uma indicação clara: “Estabilidade sem pântano”.
A 1 de janeiro deste ano, e com as eleições legislativas marcadas para dia 30, o Presidente da República alertou para necessidade de “virar a página” e para que o novo governo “possa refazer, também ele, a esperança e confiança perdidas ou enfraquecidas e garanta a previsibilidade para as pessoas e seus projetos de vida”. Tradução? “Há muito mais a fazer para recuperar o tempo perdido (…). podemos fazer muito mais”.
Marcelo prometeu – eis outro aviso – que iria estar “mais do que nunca presente” indicando que o caminho só poderia passar por cinco ideias: consolidar, decidir, reinventar, reaproximar e, claro está, o “virar a página”.
E os avisos, os alertas para este novo ano? Boa parte deles foram deixados nestes últimos dois meses e, quase sempre, com “2023” na frases.
O mais recente não deixa dúvidas: “O povo votou há 8 meses, não votou há muito mais, estamos numa guerra e crise económica e financeira. Em terceiro lugar, não é claro que surgisse uma alternativa evidente e forte imediata [o PSD] ao que existe”. Sendo assim “é preferível que o governo governe e governe cada vez melhor “.
Em novembro, foi igualmente claro: “Não há ninguém em Portugal, no governo ou na oposição, que possa dizer que 2023 vai ser mais fácil ou comparável a 2022 (…). Vai ser muito mais difícil do que 2022”. O que fazer? “Quem tem de tomar decisões” tem de, “perante as incertezas, tomar precauções”, tal como tinha alertado em 2019.
E se “isto se aguentou muito razoavelmente, para a situação muito má do mundo, da Europa”, o que é preciso, diz Marcelo, é que “com a guerra a prosseguir e com as carências sociais e a inflação presente” o governo” esteja “disponível” para encarar “outro tipo de apoios”, um “apoio complementar” que será “muito necessário”. Dias depois diria que não se pode “ignorar que há pessoas que vivem pior”, nem “minimizar o que significa a inflação na vida das pessoas”.
Depois, nas semanas seguintes, e tal como em 2016 e 2021, o Presidente voltou a insistir na “estabilidade” política assinalando que as soluções até agora encontradas para enfrentar as dificuldades “são todas precárias”. Que não se juntem “problemas adicionais” aos que existem, alertou, “por que é nestas situações [que] a estabilidade é muito importante” e os portugueses, acredita Marcelo, não desejam mais “fatores de crise”.
Mais recentemente, subiu a fasquia e o PRR, sobre o qual insiste constantemente e, apesar do tema ser a TAP, foi o argumento usado para dizer que, se for preciso, vai-se mudando o governo. E isso é que não tem faltado em nove meses: “O ano de 2023 é muito importante, é o ano em que vamos ver se há a eficácia que desejamos na execução dos fundos europeus e no avanço do país. Se para isso for necessário ir mudando o governo, muda-se o governo. Se basta o que já se mudou, veremos se é suficiente”, afirmou.
Para os que estão no governo, para o eventual e constante argumento da “conjuntura externa”, já tinha anteriormente deixado outro recado: “É assim, as eleições têm esse efeito, não é só o acesso ao poder e o exercício daquilo que é favorável do poder – que, aliás, quem o exercer descobre que é muito pouco -, é o pagar o preço do que é desfavorável no poder, e que é enormíssimo”.
No fundo, assumiu, não é estranho que António Costa – o homem que “não atira ao acaso” -, apesar de tudo, se diga otimista. “O que é que se esperaria do primeiro-ministro?”, questionou. “Que diga que está cheio de força para o futuro, tenciona durar quatro anos e que tem trunfos do seu lado para resistir”. O que se espera da oposição? “O que se espera da oposição é que bata”.
E o Presidente onde fica posicionado? “É no meio disto tudo”.
O Presidente, que pasmará se se criarem “problemas adicionais na vida das pessoas”, avisa que é preciso “manter a democracia viva e repensá-la constantemente” para evitar respostas que classifica – sem nomear quais – “fora do sistema e quase à margem”. Ou seja, acentuou, “é preciso revitalizar a democracia, a democracia tem de dar o salto”, até porque “as instituições políticas “estão desajustadas 60, 70 ou 80 por cento da sociedade”.
Um desajuste que também encontra na luta contra os incêndios florestais, que se “repete todos os anos”, e para o qual está já a deixar avisos. “Se a previsão for de que no ano de 2023 ainda há uma forte probabilidade de fogos florestais significativos, então não podemos facilitar: quer dizer que tem de ser um dispositivo reforçado e ver onde se deve apostar”, disse.
Marcelo recusa que um “problema sério” possa ser alvo de um debate “ideológico” porque “se se vai debater muito tempo, na prática, ninguém limpa”. Mas, aí, alertou para os que “mal se aguentam com o que tiram da terra (…), os que vivem a nível de subsistência”, questionando “como é que vão pagar a limpeza da floresta?”.
“Isto é um esforço enorme que a Proteção Civil tem pela frente, que é definir, olhando para o que ardeu nos últimos anos, o que está para arder, o que tem probabilidade de arder de forma mais grave (…) e distribuir os meios em função disso, para na medida do possível poderem acorrer”, pediu.
Ou seja, e aqui incluiu incêndios, cheias – as “intempéries” -, é preciso “encontrar formas financeiras” para prever situações equivalentes, mesmo quando são de “ocorrência muito anómala”.
“Há que fazer o levantamento, para saber exatamente o que aconteceu e em que termos aconteceu, depois pensar na periodicidade com que acontece, e depois criar esquemas, a prazo, para encarar essas situações” e não “o que se tem feito” que “é, pontualmente, haver atuações para o que é mais urgente”.
E dá o exemplo da “serra da Estrela, e porventura para outros parques e para outras situações desta natureza”, onde deve existir “uma estrutura pensada, ao menos para as situações críticas. Isto é uma revolução na organização administrativa portuguesa. Não está pensado para isso e tem de se pensar para isso”.
Na Educação, que já foi “paixão” governativa, e que pela qual “provavelmente ninguém ganha ou perde eleições”, Marcelo identifica uma constante assimetria entre o que se diz e o que se faz. “Tenho de reconhecer que praticamente todos os responsáveis falam na prioridade da Educação, mas também reconheço que, no momento do voto, na escala de prioridades dos votantes, a Educação nunca passa do sexto ou sétimo lugar”, afirmou.
Onde deve, então, ficar? Na escala de prioridades, o Presidente indica esta ordem: situação económica, o emprego, Saúde, questões de solidariedade social ou segurança e, a “seguir a estas prioridades, eu admito que venha a Educação”. Na prática, o “sexto ou sétimo lugar”.
À Justiça, que “não pode ser esquecida” em momentos de crise, Marcelo pede uma necessária “grande exigência”, porque, “se não o fizermos, começarão a confundir o que haja de fragilidades na nossa democracia com a própria democracia, e isso seria muitíssimo errado”.
Sobre a Saúde, que está em terceiro na escala das prioridades, e após todas as mudanças anunciadas, o Presidente considera que “agora o fundamental é que haja os instrumentos para acelerar a resolução dos problemas”.
Em síntese: “Eu não decido o que se faz. Eu tenho de ir controlando o que quem decide faz”.
Fonte e crédito da imagem: Diário de Notícias / Portugal