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Especialistas defendem importância de mais interligações energéticas entre Península Ibérica e resto da Europa

Portugal e Espanha estão bem posicionados para beneficiar da transição energética “devido à abundância de recursos renováveis, ao conhecimento técnico e a instituições sólidas”.

Esta é uma das conclusões do estudo “Depois da Crise Energética: Repostas Políticas na Península Ibérica”, elaborado pelos investigadores Gonzalo Escribano, Ana Fontoura Gouveia, João Fachada e Ignacio Urbasos para a Brookings Institution e Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Os especialistas acreditam que as estratégias climáticas de ambos os países estabelecem “uma direção clara para a eletrificação e as energias renováveis”, embora alertem que os Planos Nacionais Integrados de Energia e Clima dos dois países podem não atingir plenamente as suas metas.

No entanto, alertam para a subsistência de carências ao nível das interconexões energéticas entre estes dois países e o resto da Europa que, assinala o estudo, poderiam ter potenciado a contribuição da Península Ibérica para garantir a segurança energética da Europa desde 2022.

Espanha continua com gás russo à espera de mais América

Os países ibéricos estavam entre os menos dependentes da energia russa quando Putin começou a invasão de larga escala da Ucrânia, com Portugal a importar 5% de energia bruta disponível a partir da Rússia e Espanha a registar 8% de importações em 2020.

Por comparação, a União Europeia importava da Rússia 24% da sua energia há 5 anos. No entanto, constatam os autores, a crise energética de 2022 abalou a Península Ibérica pela combinação de três fatores: dinâmica volátil do mercado, seca prolongada e alterações geopolíticas no Norte de África.

Neste último caso, destaque para o impacto do fecho do gasoduto Magrebe- Europa, conhecido por MEG, que cessou atividade em outubro de 2021. As mudanças levaram a maior peso das importações de gás natural liquefeito de outras paragens.

Mas três anos depois da invasão russa da Ucrânia, Espanha continua a importar gás liquefeito russo, valendo 21% do fornecimento espanhol, por via de contratos de longa duração existentes.

Espanha viu os Estados Unidos destronarem a Argélia como principal fornecedor entre 2022 e 2024, ano em que o gás argelino voltou ao topo dos fornecimentos espanhóis.

Os autores assinalam que Portugal importou da Rússia 7% do gás em 2024, metade da percentagem que representava em 2021. O nosso país teve sempre a Nigéria como principal fornecedor, mas a guerra na Ucrânia levou a uma subida significativa na importação de gás norte-americano, passando de 19% em 2020 para 42% em 2023.

Esta subida norte-americana coincidiu com incertezas sobre a capacidade de fornecimento de gás nigeriano, afetado por grandes inundações e instabilidade política local.

A União Europeia pretende acabar em definitivo com as importações de gás russo até 2027. Os autores admitem que os Estados Unidos deverão desempenhar um papel importante na substituição do fornecimento russo,” abrindo novos caminhos para a cooperação transatlântica em energia e infraestruturas”.

Assinalam, ainda assim, alguns desafios como os regulamentos europeus sobre emissões de metano que podem travar a entrada do gás de xisto norte-americano. Os autores considera que os decisores europeus terão que avaliar esta estratégia pró-EUA e ter em conta as instabilidades no Mediterrâneo que podem causar interrupções no fornecimento de gás.

Planos de Energia e Clima têm que estar mais alinhados com comunidades

O relatório assinala que os planos dos países ibéricos para a energia e clima são ambiciosos, mas contêm desafios políticos e económicos. As metas de descarbonização e de eficiência energética vão a ultrapassar constrangimentos existentes na infraestrutura.

Isso implica o desenvolvimento de novas redes, mais eficiência nas atuais, investimento em armazenamento, industrialização “verde” mas também garantir o apoio público a estas políticas.

Os autores apontam um número crescente de contenciosos e contestações a novos projetos energéticos, mas sublinham que os cidadãos portugueses e espanhóis “geralmente apoiam a transição energética, que também veem como uma oportunidade económica”, o que é visto como “uma vantagem competitiva na captação de oportunidades industriais verdes”.

“Garantir que os benefícios da energia renovável chegam às populações locais — por exemplo, com pagamentos únicos ou regulares associados à capacidade instalada e/ou mecanismos de partilha da eletricidade produzida com as comunidades locais — deverá tornar-se uma prioridade para as autoridades e os promotores”, recomenda este relatório.

O documento assinala que em Portugal, existem mecanismos de compensação para os municípios afetados por projetos estratégicos de expansão da rede e por novos projetos de energias renováveis.

“A ação política deve continuar a abordar os principais estrangulamentos, nomeadamente a disponibilidade da rede, a previsibilidade dos procedimentos administrativos e de licenciamento, os incentivos aos investidores, os mecanismos de formação de preços e a aceitabilidade local”, recomendam os autores.

Escrito depois do apagão ibérico de 28 de Abril, mas antes da revelação de relatórios oficiais, este estudo assinala apenas os tópicos que têm sido mais debatidos no plano técnico: “a necessidade urgente de acelerar as interligações internacionais, de fortalecer o sector elétrico e a sua digitalização, reforçar os serviços auxiliares e a flexibilidade da procura, e avançar na implementação de soluções de armazenamento de baixo carbono, como baterias e energia hidroelétrica bombeada”.

Interligações fracas com a Europa

O estudo é crítico das interligações entre ao mercado ibérico de energia e França e o resto da União Europeia, que explicam a descrição da Península como uma “ilha de energia”. Os projetos atuais ficam aquém das metas europeias de interligação, “limitando o papel da Península Ibérica no reforço da segurança energética europeia e na descarbonização”. Os autores sublinham que interligações mais fortes teria permitido uma maior contribuição ibérica durante a crise energética.

“Espanha e França têm um dos mais baixos níveis de integração elétrica entre países vizinhos na UE, com uma capacidade de interligação de aproximadamente 2.800 megawatts (MW). Isto contrasta fortemente com a capacidade total de interligação da França com outros cinco países europeus — Grã-Bretanha, Bélgica, Alemanha, Itália e Suíça — que ascende a mais de 15.000 MW. Esta integração assimétrica desencorajou historicamente a França a investir, tanto económica como politicamente, nas suas interligações com Espanha”, pode ler-se no relatório.

O ‘policy paper” da Brookings e da Fundação Francisco Manuel dos Santos deixa críticas implícitas a França, por contraste com a cada vez maior conjugação de ligações entre Espanha e Portugal. Apesar de constatar que uma nova interligação submarina através do Golfo da Biscaia deverá ligar Espanha e França a partir de 2027 – “quase duplicará a capacidade de troca para 5.000 MW, aumentando a complementaridade entre os sistemas de energia nuclear de França e os sistemas de energia predominantemente renovável da Península Ibérica” – os autores observam vários obstáculos noutros empreendimentos energéticos.

Consideram mesmo improvável a ligação por cabos propostos através dos Pirenéus que estão a enfrentar “atrasos significativos devido a preocupações ambientais, terrenos complexos e falta de apoio do governo francês”.

A lista de corredores elétricos em estudo é grande mas de viabilidade incerta. A “Ponte Solar Mediterrânica”, um cabo submarino de alta tensão, com o objetivo de ligar a Espanha

e Itália para facilitar a troca de energia renovável, “enfrenta desafios regulamentares significativos e custos elevados”. Espanha trabalha na construção de uma terceira interligação elétrica com Marrocos, para exportar energia renovável ibérica para aquele país.

Mas o contrário não deverá acontecer. ” Só a longo prazo, quando Marrocos tiver feito mais progressos na descarbonização da sua matriz eléctrica (que é hoje constituída apenas por 20% de energia renovável), é que o país poderá reduzir o impacto do custo do mecanismo de ajustamento do carbono na fronteira da UE nas suas exportações de eletricidade e manter-se competitivo no mercado europeu de energia”, assinala o estudo, que toma nota ainda de uma possível interligação direta entre Marrocos e Portugal e uma outra que liga Marrocos ao Reino Unido, através da costa portuguesa), embora ainda existam obstáculos tecnológicos e administrativos.

Hidrogénio para consumo interno?

O relatório sustenta que, a longo prazo, o desenvolvimento de um mercado do hidrogénio verde na UE contribuirá também para a diversificação das fontes e origens de energia. “Portugal e Espanha podem desempenhar um papel fundamental dadas as suas vantagens competitivas na produção de hidrogénio verde”, argumentam os autores. Mas os projetos de interligação também aqui mergulharam na incerteza.

O gasoduto H2Med, entre Portugal, Espanha e França, com apoio da Alemanha, visa integrar o mercado de hidrogénio da Península Ibérica à rede europeia mais alargada. “No entanto, dado o estado actual do sector do hidrogénio renovável, o futuro do gasoduto, e especialmente o seu calendário de conclusão, originalmente previsto para 2030, permanece incerto e provavelmente sofrerá atrasos”.

Os portos de Espanha e Portugal estão a preparar para já a exportação de derivados de hidrogénio, como amoníaco verde, metanol e combustíveis sintéticos para o Norte da Europa.

Os autores lembram que estas iniciativas vêm modernizar instalações industriais abandonadas, mas envolvem um “aparente dilema ibérico” entre exportar o hidrogénio ou utilizá-lo para promover a modernização industrial ibérica e a descarbonização. “O tempo que a Península Ibérica permanecerá como uma ilha renovável dentro da UE dependerá

de projetos de interligação nos Pirenéus ou outras alternativas”, alertam os autores do estudo. Há sempre a outra face da moeda. “A ausência de interligações energéticas oferece uma proteção industrial natural à Península Ibérica: enquanto as energias renováveis continuam a reduzir os números recorde de geração, Portugal e Espanha apresentam energia verde com custos competitivos que está a atrair indústrias”, pode ler-se no relatório.

Fonte: www.rr.pt

Crédito da imagem: Martin Divisek / EPA