O FC Porto e o futebol português estão de luto pela morte de uma das figuras mais carismáticas e polémicas de sempre. Jorge Nuno Pinto da Costa faleceu este sábado vítima de doença prolongada – tinha sido diagnosticado com um cancro na próstata em setembro de 2021 e agravou o seu estado de saúde nas últimas semanas.
Tinha 87 anos e deixa como maior legado ter transformado um clube, dando-lhe uma projeção a nível mundial, graças às muitas conquistas nacionais e internacionais.
Exerceu funções durante 42 anos e 15 mandatos consecutivos, levando o FC Porto à conquista de 2591 títulos em 21 modalidades – 69 dos quais no futebol sénior masculino, incluindo sete internacionais, com destaque para as duas Taças/Ligas dos Campeões (1986/1987 e 2003/04) e duas Taças UEFA/Liga Europa (2002/2003 e 2010/11).
Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa nasceu a 28 de dezembro de 1937, o dia dos Santos Inocentes. Foi o quarto de cinco filhos de Maria Elisa, herdeira da burguesia portuense, e José Alexandrino, filho do dono de uma confeitaria na Foz.
Menino irrequieto, ainda dava os primeiros passos quando o FC Porto conquistou o segundo título de campeão da sua história (1938/39).
Os pais separaram-se três anos depois de o pequeno Pituca – como a mãe o tratava – ter nascido. Foi debaixo de conceitos religiosos que cresceu, tendo aos oito anos iniciado a devoção a Nossa Senhora de Fátima por causa de uma viagem àquele local de culto com a avô materna. Ali se deslocou sempre que viu a vida em perigo ou para agradecer algo de bom.
Fez o ensino primário no colégio Almeida Garrett, mas depressa o futebol tornou-se a sua vida através do tio Armando Pinto, que foi presidente do Famalicão e era sócio portista desde sempre. Foi com ele e com o irmão José Eduardo que assistiu, atrás de uma baliza, ao primeiro jogo do FC Porto, com o Sp. Braga.
Aos dez anos entrou no Instituto Nun’Álvares, em Santo Tirso, conhecido por Colégio das Caldinhas. Ficou em regime de internato e, através de cartas, contava à mãe como sofria longe dela. Começou então a revelar as suas qualidades de estudante de português, francês e música.
Nas Caldinhas conhece Pinto de Sousa, que viria a ser presidente do Conselho de Arbitragem, com quem partilhava a paixão pelo futebol. Nas cartas à mãe, desenvolve a capacidade de persuasão para que ela lhe levasse as revistas desportivas da semana, que lia como se fosse uma iniciação para a vida. Tornou-se defesa-central no colégio (chamavam-lhe Grandalhão) e fazia as crónicas dos jogos no jornal escolar.
O FC Porto não lhe dava alegrias, mas nas férias não perdia um treino. No resto do ano, andava de rádio em punho, a ouvir os relatos. Quando fez 16 anos, recebeu da avó Alice o cartão de sócio.
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Os estudos foram ficando para trás, e as travessuras com que enfrentava a rígida disciplina cristã fizeram com que fosse expulso do colégio. Tinha 17 anos e ainda estava no quinto ano do liceu. Além do futebol e dos namoricos, Jorge Nuno brilhava no teatro. Uma das peças valeu-lhe a expulsão do Instituto por ter parodiado um padre pouco popular.
Foi então para um colégio de Lamego, para onde iam os filhos rebeldes das boas famílias. O insucesso nos estudos mantinha-se e a mãe fê-lo regressar ao Porto. Acabou o liceu no Almeida Garrett, quando o futebol já era a sua paixão.
Ao fim de semana, quando ia para casa do tio, em São Mamede, jogava no Infesta. Acabou por ser convidado para integrar os juniores, a mãe não queria, mas o padre Rebelo acabou por convencê-la. Só precisava de aplicar-se nos estudos.
Um dia, o Infesta quis contratar um jogador ao Leixões, mas não havia dinheiro para o transporte até Matosinhos. Jorge Nuno convenceu o irmão a emprestar-lhe o carro e lá foi fazer a sua primeira contratação.
Aos 19 anos, após terminar o liceu, respondeu a um anúncio de jornal e foi admitido no Banco Português do Atlântico, com um ordenado de 900 escudos, que juntava à mesada da mãe. Cinco meses depois foi aumentado para 1200 escudos. Na altura, já jogava no FC Porto, onde passava os fins de semana, de tal forma que a noiva, Manuela Carmona, se fez sócia só para o ver.
A entrada no FC Porto pelo hóquei em patins
A devoção ao clube fez o presidente Afonso Pinto de Magalhães colocar Jorge Nuno como vogal do hóquei em patins, modalidade que passou a liderar em 1962. A noiva estudava na Alemanha, onde teve boas propostas de trabalho e, por isso, tentou convencê-lo a emigrar, mas o FC Porto foi mais forte. A 16 de abril de 1964 casaram-se na igreja do Ameal. Manuela largou tudo para o acompanhar… a ele e ao FC Porto, claro.
O clube já era a sua vida e em 1967 é desafiado a salvar o boxe dos dragões como seccionista. É aí que conhece um dos seus mais fieis amigos: Reinaldo Teles. Deu-se então uma grande mudança na sua vida: demitiu-se do BPA e, juntamente com dois colegas, fundou uma sociedade para investir na bolsa.
Num ápice, os 100 contos que investiu transformam-se em 300. No FC Porto, voltou à secção de hóquei, que o presidente Pinto de Magalhães pretendia encerrar. Fê-la renascer e tornou-se diretor das modalidades.
Em 1972, Pinto de Magalhães deixa a presidência do FC Porto e Pinto da Costa recusa fazer parte da lista de Américo Sá. Deixou o clube e dedicou-se à venda de produtos químicos e resinas.
Os meses passaram e nas Antas instalava-se a crise. O FC Porto andava longe do primeiro lugar discutido por Benfica e Boavista, treinado pelo amigo José Maria Pedroto. Em janeiro de 1976, aceita finalmente o convite do já presidente Américo Sá, mas impõe condições: ser o único responsável pelo futebol com autonomia para escolher treinador e jogadores, além de impedir a entrada de dirigentes no balneário.
Negócio fechado. O passo seguinte foi fazer regressar Pedroto ao FC Porto. Nas Antas, o novo discurso apontavam para o inimigo a Sul. Pelo meio, Pinto de Sousa sentiu-se traído e rompeu uma longa amizade por Pinto da Costa lhe ter ido roubar dois jogadores ao Boavista. O FC Porto estava, afinal, acima de tudo.
Estavam lançadas as bases para uma nova era, que teria um impulso em junho de 1980, com o chamado “Verão Quente”. Américo de Sá, acumulava o cargo de presidente com o de deputado, e estava muito ligado a Lisboa, o que não era compatível com a estratégia.
O ambiente tornou-se insustentável e Américo de Sá prescindiu de Pinto da Costa. Pedroto bateu com a porta e no balneário criaram-se duas fações, com a maioria dos jogadores a recusar-se a voltar de férias. Pinto da Costa “raptou” vários atletas entre eles Octávio Machado e António Oliveira, que deixaram as Antas.
Eleito presidente em 1982
A 23 de abril de 1982, Pinto da Costa é eleito presidente. E as conquistas começaram dois anos depois com uma Taça de Portugal e uma Supertaça, além da presença na final da Taça das Taças perdida para a Juventus.
É então que a 7 de janeiro de 1985 surge um duro golpe, com a morte de José Maria Pedroto, vítima de cancro. Pinto da Costa fica sem o mais importante aliado do novo FC Porto.
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O sucessor foi Artur Jorge, com quem iniciaria um grande ciclo de conquistas a nível nacional e internacional, no auge da denominada guerra Norte-Sul que ele próprio fomentou. Um dos episódios mais emblemáticos foi a contratação de Paulo Futre ao Sporting, rompendo um pacto de não agressão entre os três grandes clubes.
Feliz com os sucessos, entre os quais a conquista da Taça dos Campeões de 1987, adere ao mundo da feitiçaria graças ao empresário Delane Vieira, que lhe o convence de que havia “trabalhinhos” que ajudavam a chegar ao êxito. As conquistas da Supertaça Europeia e da Taça Intercontinental fortaleceram essa ideia. Na altura, montou ainda uma espécie de guarda pessoal, liderada pelo polícia Abel Gomes, para atemorizar os rivais.
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Dez anos após a primeira conquista europeia, rebenta o primeiro escândalo de alegada corrupção. É descoberta nas Antas a fatura das férias no Brasil do árbitro Carlos Calheiros. Pinto da Costa diz em tribunal que o FC Porto pagou por engano e escapou à condenação.
No início de 2002, após três épocas sem ser campeão, fez um raide a Fátima e roubou José Mourinho ao Benfica, dando início a um novo ciclo de glória europeia, com a Taça UEFA e a Liga dos Campeões.
Só que a saída de Mourinho abriu uma nova crise no Dragão impulsionada com uma mega investigação da Polícia Judiciária sobre falsificação de documentos, corrupção e tráfico de influências.
O nome de Pinto da Costa era o mais sonante entre as personalidades do futebol envolvidas no processo que ficou conhecido como Apito Dourado. No auge da investigação fugiu para Vigo quando soube que iria ser alvo de buscas e detenção. Dias depois apresentou-se na PJ para ser ouvido, escoltado pela claque SuperDragões, que já começava a ter protagonismo na estrutura portista.
Apesar de ter visto o seu nome na lama, Pinto da Costa acabou por sair ileso de todo o processo, voltando a concentrar-se num ciclo de vitórias, alicerçado em Jesualdo Ferreira, André Villas-Boas – vencedor de uma Liga Europa – e Vítor Pereira.
Só que a recuperação desportiva do Benfica abriu o mais longo jejum de títulos de Pinto da Costa, que durou quatro anos. Uma altura em que abriu mais uma guerra aos encarnados por causa do chamado caso dos emails.
Só que por essa altura eram cada vez mais visíveis os problemas financeiros por que passava a SAD do FC Porto, algo que foi sendo disfarçado pelo trabalho de Sérgio Conceição, treinador que em sete épocas garantiu três títulos de campeão, quatro Taças de Portugal, três Supertaças e uma Taça da Liga.
Apesar das conquistas, a oposição a Pinto da Costa era cada vez mais forte, deixava de ser o incontestável presidente do FC Porto e, a partir de determinada altura, apenas os SuperDragões o protegiam através de métodos pouco convencionais.
O adeus à presidência do FC Porto
O princípio do fim da longa era de Pinto da Costa acabou por ser a assembleia geral de 13 de novembro de 2023, quando alguns elementos, alegadamente pertencentes à claque, agrediram sócios e obrigaram à suspensão dos trabalhos.
A Polícia Judiciária entrou em ação, deteve alguns dos membros dos SuperDragões, entre os quais o seu líder Fernando Madureira. Pinto da Costa ficava sem aquela que a oposição chamava de “guarda pretoriana”.
É então que emerge André Villas-Boas como candidato presidencial, que acaba por derrotar Pinto da Costa nas eleições de 28 de abril com 80,28% dos votos.
Um mês depois, o ciclo de 42 anos de liderança do FC Porto com a conquista da Taça de Portugal, no Jamor, frente ao Sporting. Por essa altura, Pinto da Costa já sabia que estava gravemente doente, algo que se tornou público pouco depois.
Pinto da Costa será sempre conhecido como o presidente que redimensionou o FC Porto. Empossado pela primeira vez em 23 de abril de 1982, exerceu funções durante 42 anos e 15 mandatos consecutivos, levando o FC Porto à conquista de 2.591 títulos em 21 modalidades – 69 dos quais no futebol sénior masculino, incluindo sete internacionais.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: FC Porto