Há no ar uma neblina diferente da tantas vezes citada bruma açoriana. É trazida pela espuma do mar do sul, que galga as rochas da marina de Vila Franca do Campo, vila portuguesa na ilha de São Miguel, na Região Autónoma dos Açores.
Ao virar a rua, o sal que nos pousa na pele é substituído pelo açúcar na ponta dos dedos ao desfazer o embrulho que envolve uma queijada da Vila. Hoje em dia, é comum encontrá-las nos tabuleiros e vitrines de restaurantes e cafés polvilhados por toda a ilha de São Miguel.
É assim há já vários anos, os suficientes para que a sua presença se tenha tornado de tal forma um hábito que torna rara a ocasião em que algum local questione as suas origens.
A receita que hoje nos chega aos dedos é baseada na que veio das mãos das freiras do Convento de Santo André, empenhadas em dar um toque especial à simplicidade com os ingredientes que tinham à disposição.
“A nossa receita, embora baseada nesta herança conventual, foi transmitida à minha avó, que a adaptou e aperfeiçoou ao longo das décadas, preservando o sabor tradicional e autêntico”, explica Rita Morgado, que cresceu a ver de perto a dedicação da família à fábrica.
Conta que, antes de serem reconhecidas como um elemento da tradição gastronómica do arquipélago, as queijadas tinham uma morada bem mais humilde: “Tudo começou numa cozinha modesta, com poucos recursos mas com um grande sonho: levar as queijadas da nossa família a um público mais amplo”, descreve. Os anos foram-se somando e, com eles, a procura que, chegada ao ponto certo, justificou o investimento na Fábrica que ainda hoje opera e, afirma Rita Morgado, “não tem parado de crescer”.
“O maior desafio atualmente é manter o equilíbrio entre o crescimento da produção e a preservação da qualidade artesanal que nos caracteriza”, explica. A assumir responsabilidades como gerente de produção e planeamento estratégico há 12 anos, Rita Morgado recebe esta responsabilidade com um sentido de missão.
“É especialmente gratificante ouvir os elogios e testemunhos dos nossos clientes, sabendo que os nossos produtos não só satisfazem, mas também despertam memórias afetivas e criam momentos especiais” descreve.
Tal como fizeram as freiras quando criaram a queijada, na fábrica também se aproveita os ingredientes disponíveis, hoje em dia bem mais diversos, para confecionar outras receitas, todas elas caseiras. Sabores como o ananás, a cenoura, o coco, a lima e o pistácio dão gosto aos bolos que Rita Morgado destaca como os mais populares, não sem acrescentar que, apesar da diversidade, o produto mais adorado continua a ser a queijada da Vila. “Continuam a ser a estrela e a base da nossa identidade no mercado”, assegura.
Para além do reconhecimento regional e nacional, Rita Morgado sublinha a importância da diáspora para a fábrica: “Movidos pelo desejo de manter uma ligação às suas raízes, valorizam profundamente as nossas queijadas e outros produtos tradicionais”, disse.
Anuncia a intenção de expandir a presença no mercado internacional, não só junto das comunidades portuguesas mas também de consumidores que procurem produtos genuinamente portugueses.
“Estamos a explorar parcerias estratégicas que nos permitam levar as queijadas da Vila a um público ainda mais amplo, sempre com o compromisso de honrar a nossa herança e promover a tradição”, afirma.
Confessa que esta possibilidade de chegar a cada vez mais pessoas e com elas partilhar histórias através dos produtos confecionados nos Açores é o que mais a motiva. “O facto de contribuir para preservar e valorizar a doçaria tradicional portuguesa, transformando receitas de família em experiências que atravessam gerações, é algo que me enche de orgulho e me inspira diariamente”, revela.
Apesar desta vontade de crescer, Rita Morgado assume o compromisso de o fazer de forma sustentável, sem pôr em causa o que destaca ser a principal missão da fábrica: o de honrar e preservar uma tradição secular.
A explicação para as queijadas da Vila serem hoje consideradas, conforme refere Rita Morgado, “um símbolo da região”, está na sua forma de produção artesanal e familiar que as caracteriza, algo que entende ser essencial manter para não comprometer a sua identidade.
Rita Morgado assegura manterem o mesmo espírito que os fez começar, numa pequena cozinha de recursos limitados mas com um sonho grande e sem limites.
“É isso que torna as queijadas da Vila tão especiais, apreciadas e únicas”, declara, acrescentando que a receita ancestral adaptada pela sua avó continua a ser o pilar da fábrica e a missão de a preservar a estrela guia.
O segredo para o seu sucesso reside, afinal, na simplicidade, o mesmo valor que orientou as freiras há tantos séculos quando confecionaram a queijada pela primeira vez.
Fonte e crédito da imagem: Jornal Açoriano Oriental / Portugal