O mais recente thriller psicológico de Paula Hawkins foi apresentado há uma semana pela autora em Braga, no Festival Literário Utopia. É a segunda vez que a autora do bem-sucedido ‘A Rapariga no Comboio vem a Portugal’, desta vez para lançar ‘A Hora Azul’.
Dificilmente atingirá as 35 edições do livro que a revelou, se bem que este mereça a atenção de leitores que apreciam o género e também daqueles que gostam de um bom romance que, tendo um mistério por base, oferece um registo muito literário como é o desta novidade. Nas várias sessões do Utopia foram ainda apresentados algumas das últimas novidades do ano (ler mais abaixo).
O mais inesperado em A Hora Azul é a mudança de registo que Paula Hawkins comete ao quarto livro, situação que a escritora confirma:
“A minha voz tem mudado em relação ao A Rapariga no Comboio e, creio, que num sentido de melhoria. Está mais literário e menos comercial do que há dez anos, sem dúvida”.
Qual a razão desta alteração no registo, pergunta-se: “Deve-se, principalmente ao argumento que tinha para trabalhar. Criei-o muito depressa, sabia o que iria escrever e como a ação se desenrolava. Esse conhecimento por antecipação deu-me tempo para encontrar a linguagem que queria, situação bem diferente da do livro anterior (Um Fogo Lento), em que foi muito complicado fazer com que a história funcionasse e tudo encaixasse. Desta vez, não houve esse problema, desde o princípio que sabia tudo o que iria acontecer e como, portanto tinha mais tempo para me preocupar com o registo.”
Por norma, quando a escritora inicia um livro já sabe como vai acabar, mesmo que não esteja de posse do percurso por que pretende caminhar: “Neste caso, não tinha dúvidas sobre quem teria cometido o crime, mesmo que me faltassem encaixar certas situações que levariam a esse desfecho. Acho que completar toda esta intriga foi um trabalho menos complexo dos que nos dois livros anteriores, daí ter mais liberdade para alterar a linguagem.”
A ação desta vez incorpora temas mais literários, sendo que a autora chama à narrativa a escritora Daphne du Maurier e Dylan Thomas, por exemplo, além de figuras do mundo das artes plásticas. Não é por acaso, afinal a protagonista é uma pintora famosa pelo seu trabalho e também por uma má disposição nas relações com os outros. Existem mais dois co-protagonistas, uma “assessora” da artista e um curador.
Os restantes personagens que perpassam pelas páginas têm alguma importância mas é neste trio que tudo reside. Maurier surge devido às semelhanças que Hawkins deseja enfatizar entre os ambientes que a escritora e a pintora apreciam, mas também porque desejou recriar a atmosfera gótica de alguns dos seus romances: “O cenário onde se passa a maior parte deste livro necessitava do ambiente que Maurier construía nos seus contos, com a presença de pássaros, da água e do mal que se pressente em torno daquela ilha.”
Ninguém melhor do que Paula Hawkins para aplicar a receita correta num thriller psicológico, só que desta vez escolhe uma ligeiramente diferente para manter o interesse do leitor. A escritora garante que tem tentado escrever como sabe em vez de estar preocupada com as receitas de sucesso:
“Creio que devo escolher a melhor forma de contar uma história e, como nunca tive interesse em histórias de detetives ou na parte forense, o que me cativa é a parte psicológica dos personagens. Por isso, em todos os livros tenho evitado optar pela estrutura tradicional do thriller.”
Confronta-se a autora que é difícil acreditar nesse afastamento face ao sucesso do seu primeiro livro, em muito devido à estrutura própria deste género, mas Hawkins tem uma resposta: “Nos EUA e na Inglaterra, são as mulheres que mais leem e essas leitoras identificaram-se com este género em determinada altura, porque não continha tanto a perspetiva masculina e era mais próximo das suas vidas. Isso já não acontece neste momento.”
Questiona-se o porquê de existirem tantas escritoras a fazerem sucesso neste género do thriller psicológico: “Já havia muitas mulheres a escrever estes livros, mas quando se verificou um sucesso gigantesco com livros como o meu e o de Gillian Flynn, os editores foram buscar tudo o que havia para lançar. Já existiam esses livros, estavam à disposição, só não tinham sido promovidos com o marketing que agora estava disponível face aos sucesso destes dois thrillers psicológicos escritos por mulheres. O que diziam era: “Se quer mais de Girl on the Train e Gone Girl, tem estes”. Pode ser que tenham aparecido depois novas escritoras, não nego.”
Em A Hora Azul, Paula Hawkins recorre muito às memórias da protagonista através dos seus diários. A escritora considera que lhes queria dar um papel importante:
“Primeiro, porque me era útil; segundo, porque através dessas memórias podia desenhar melhor a personagem. A grande pergunta era como é que as pessoas se veem a si próprias e como alteramos as recordações. Daí que as tenha transformado em muito na construção da ficção e de como os seres humanos dão sentido às suas vidas. Essa técnica ajudava a apresentar os personagens e o leitor ganhava outra perspetiva.”
Apesar de Paula Hawkins ter enveredado em A Hora Azul por outro registo, não faltam personagens típicos do thriller psicológico, como a demoníaca Grace. Explica: “É difícil compreendê-la e percebê-la, mas são este género de personagens que atraem o leitor e que permitem ao autor criar situações ficcionais que são fundamentais no momento da leitura.”
Fonte e crédito da imagem: Diário de Notícias / Portugal