No início de julho, enquanto o furacão Beryl se agitava nas Caraíbas, uma das principais agências meteorológicas europeias previu uma série de locais de impacto, avisando que o México era o mais provável.
O alerta baseou-se em observações globais levadas a cabo por aviões, boias e naves espaciais, que supercomputadores do tamanho de uma sala transformaram em previsões.
Nesse mesmo dia, peritos que utilizavam software de Inteligência Artificial num computador muito mais pequeno previram a chegada da tempestade ao Texas. A previsão baseou-se apenas no que a máquina tinha aprendido anteriormente sobre a atmosfera do planeta.
Quatro dias depois, a 8 de julho, o furacão Beryl atingiu o Texas com uma força mortífera, inundando estradas, matando pelo menos 36 pessoas e cortando a eletricidade a milhões de habitantes.
Em Houston, os ventos violentos fizeram com que as árvores embatessem nas casas, esmagando pelo menos duas das vítimas.
A previsão do Texas oferece um vislumbre do mundo emergente da previsão meteorológica por IA, no qual um número crescente de máquinas inteligentes está a antecipar os futuros padrões meteorológicos globais com uma nova velocidade e precisão.
Neste caso, o programa experimental foi o GraphCast, criado em Londres pela DeepMind, uma empresa da Google. Faz em minutos e segundos o que antes demorava horas.
“Este é um passo realmente empolgante”, disse Matthew Chantry, especialista em IA do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo, a agência que foi ultrapassada na sua previsão sobre o Beryl.
Em média, acrescentou, a GraphCast e os seus primos inteligentes podem superar a sua agência na previsão das trajetórias dos furacões.
Em geral, a IA super-rápida pode brilhar na deteção de perigos futuros, aponta Christopher S. Bretherton, professor emérito de Ciências Atmosféricas na Universidade de Washington.
Segundo Bretherton, para calores, ventos e aguaceiros traiçoeiros, os avisos habituais estarão “mais atualizados do que até agora”, salvando inúmeras vidas.
As previsões meteorológicas rápidas da IA também ajudarão à descoberta científica, refere Amy McGovern, professora de Meteorologia e Ciências Informáticas na Universidade de Oklahoma, que dirige um instituto meteorológico de IA.
Segundo ela, os detetives do tempo usam agora a IA para criar milhares de variações subtis de previsões que lhes permitem encontrar fatores inesperados que podem conduzir a eventos extremos como os tornados.
“Está a permitir-nos procurar processos fundamentais”, diz McGovern. “É uma ferramenta valiosa para descobrir coisas novas.”
Além disso, os modelos de IA podem ser executados em computadores de secretária, o que torna a tecnologia muito mais fácil de adotar do que os supercomputadores do tamanho de uma sala que atualmente dominam o mundo das previsões globais.
“É um ponto de viragem”, reconhece Maria Molina, uma meteorologista investigadora da Universidade de Maryland que estuda programas de IA para a previsão de eventos extremos. “Não é necessário um supercomputador para gerar uma previsão. Podemos fazê-lo no nosso portátil, o que torna a ciência mais acessível.”
A complexidade de fatores
As pessoas dependem de previsões meteorológicas exatas para tomarem decisões sobre coisas como a forma de vestir, para onde viajar e se devem ou não fugir de uma tempestade.
Mesmo assim, as previsões meteorológicas fiáveis revelam-se extraordinariamente difíceis de obter. O problema é a complexidade. Os astrónomos podem prever as trajetórias dos planetas do Sistema Solar durante séculos, porque um único fator domina os seus movimentos – o Sol e a sua imensa força gravitacional.
Por oposição, os padrões climáticos na Terra resultam de uma profusão de fatores. As inclinações, as rotações, as oscilações e os ciclos dia-noite do planeta transformam a atmosfera em turbulentas espirais de ventos, chuvas, nuvens, temperaturas e pressões atmosféricas.
Pior ainda, a atmosfera é inerentemente caótica. Por si só, sem qualquer estímulo externo, uma zona pode passar rapidamente de estável a caprichosa.
Consequentemente, as previsões podem falhar ao fim de alguns dias, ou mesmo ao fim de algumas horas. Os erros aumentam à medida que alarga a duração da previsão – que atualmente pode prolongar-se por 10 dias, contra três dias há algumas décadas.
As melhorias lentas resultam de atualizações das observações globais, bem como dos supercomputadores que fazem as previsões.
Não que a supercomputação tenha sido fácil. Os preparativos exigem perícia e trabalho. Os modeladores constroem um planeta virtual atravessado por milhões de vazios de dados e preenchem os espaços vazios com observações meteorológicas atuais.
Bretherton considera estes dados cruciais e algo improvisados. “É preciso cruzar dados de muitas fontes para adivinhar o que a atmosfera está a fazer neste momento”, diz.
As complicadas equações da mecânica dos fluidos transformam, então, as observações combinadas em previsões. Apesar do enorme poder dos supercomputadores, a análise dos números pode demorar uma hora ou mais. E à medida que o tempo muda, as previsões têm de ser atualizadas.
As diferenças da Inteligência Artificial
A abordagem da IA é radicalmente diferente. Em vez de se basear em leituras atuais e em milhões de cálculos, um agente de IA baseia-se no que aprendeu sobre as relações de causa e efeito que regem o clima do planeta.
Em geral, o avanço deriva da revolução contínua na aprendizagem automática – o ramo da IA que imita a forma como os humanos aprendem. O método funciona porque a IA é excelente no reconhecimento de padrões.
É capaz de selecionar rapidamente montanhas de informação e detetar complexidades que os humanos não conseguem discernir. Este método conduziu a avanços no reconhecimento da fala, na descoberta de medicamentos, na visão por computador e na deteção do cancro.
Na previsão meteorológica, a IA aprende sobre as forças atmosféricas analisando repositórios de observações do mundo real.
Em seguida, identifica os padrões subtis e utiliza esse conhecimento para prever o tempo, fazendo-o com uma rapidez e precisão notáveis.
Recentemente, a equipa da DeepMind que criou o Graph- Cast ganhou o prémio britânico de engenharia mais importante, atribuído pela Royal Academy of Engineering. Sir Richard Friend, um físico da Universidade de Cambridge que liderou o painel de jurados, elogiou a equipa por aquilo a que chamou “um avanço revolucionário”.
Rémi Lam, cientista principal do GraphCast, disse que a sua equipa tinha treinado o programa de IA com quatro décadas de observações meteorológicas globais compiladas pelo centro de previsão europeu.
Em segundos, disse ele, o GraphCast pode produzir uma previsão de 10 dias que levaria mais de uma hora para um supercomputador.
Lam disse que o GraphCast funcionou melhor e mais rapidamente em computadores concebidos para IA, mas também pode funcionar em computadores de secretária e até em computadores portáteis, embora mais lentamente.
Numa série de testes, Lam informou que a GraphCast superou o melhor modelo de previsão do Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo em mais de 90% das vezes.
“Se soubermos para onde vai um ciclone, isso é muito importante”, acrescentou. “É importante para salvar vidas.”
Lam disse que ele e a sua equipa são cientistas informáticos, não especialistas em ciclones, e não avaliaram como as previsões do GraphCast para o furacão Beryl se compararam com outras previsões de precisão.
Mas a DeepMind, acrescentou, realizou um estudo sobre o furacão Lee, uma tempestade atlântica que, em setembro, foi considerada como uma possível ameaça para a Nova Inglaterra ou, mais a leste, para o Canadá. Lam disse que o estudo revelou que o GraphCast chegou à Nova Escócia três dias antes de os supercomputadores chegarem à mesma conclusão.
Centro europeu adota IA
Impressionado com estas realizações, o centro europeu adotou recentemente o GraphCast, bem como programas de previsão de IA criados pela Nvidia, Huawei e Universidade de Fudan, na China.
No seu sítio Web, apresenta agora mapas globais dos seus testes de IA, incluindo a gama de previsões de trajetórias que as máquinas inteligentes fizeram para o furacão Beryl em 4 de julho.
Chantry, do centro europeu, diz que a instituição vê a tecnologia experimental como uma parte regular da previsão meteorológica global. Uma nova equipa, acrescenta, está agora a desenvolver “o grande trabalho” dos experimentalistas para criar um sistema operacional de IA para a agência.
A sua adoção, afirma Chantry, poderá ocorrer em breve. Acrescentou, no entanto, que a tecnologia de IA como ferramenta regular pode coexistir com o sistema de previsão antigo do centro.
Bretherton, agora chefe de equipa no Allen Institute for AI (criado por Paul G. Allen, um dos fundadores da Microsoft), lembra que o centro europeu era considerado a melhor agência meteorológica do mundo porque testes comparativos demonstraram regularmente que as suas previsões excediam todas as outras em termos de precisão.
Como resultado, acrescentou, o seu interesse na IA fez com que o mundo dos meteorologistas “olhasse para isto e dissesse: ‘Ei, temos de igualar isto’”.
Os especialistas em meteorologia dizem que os sistemas de IA são suscetíveis de complementar a abordagem do supercomputador, porque cada método tem os seus pontos fortes específicos.
“Todos os modelos estão errados até certo ponto”, refere Molina. As máquinas de IA, acrescenta, “podem acertar na rota do furacão, mas e quanto à chuva, ventos máximos e tempestades?”
Mesmo assim, Molina observa que os cientistas de IA estão a apressar-se a publicar artigos que demonstram novas capacidades de previsão. “A revolução continua”, diz. “É uma loucura”.
Jamie Rhome, vice-diretor do National Hurricane Center em Miami, concorda com a necessidade de várias ferramentas. Ele chama a IA de “evolucionária em vez de revolucionária” e prevê que humanos e supercomputadores continuem a desempenhar papéis importantes.
“Ter um humano na mesa para aplicar a consciência situacional é uma das razões pelas quais temos uma precisão tão boa”, reforça.
“Com a IA a surgir tão rapidamente, muitas pessoas consideram que o papel do ser humano está a diminuir”, acrescenta Rhome. “Mas os nossos meteorologistas estão a dar grandes contributos. O papel humano continua a ser muito importante”, conclui.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal – The New York Times
Crédito da imagem: The New York Times