No primeiro semestre do ano, dados da Administração Central do Sistema do Saúde (ACSS) revelam que os profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) já cumpriram 8 599 677 milhões de horas extras.
Só os médicos já vão em 3 174 925, os enfermeiros em 2 643 250 e as outras categorias profissionais já completaram 2 781 502. Isto sem contar com as horas feitas em prestação de serviço, onde a classe médica também se destaca em relação às outras categorias profissionais com 2 455 202 de horas, sendo que os enfermeiros e os outros profissionais completaram, respetivamente, 285 477 horas e 288 436.
Isto significa que nos primeiros seis meses do ano os profissionais de saúde já completaram 11 628 791 de horas extras e em prestação de serviço. Em termos de despesa, os dados da ACSS revelam que este ano já foram pagos 211 428 milhões de euros em horas extras e 108 363 milhões em trabalho em prestação de serviço. Ao todo, 319 791 milhões de euros.
Olhando para os números do ano passado (2023), revelam que ao todo foram realizadas 16 908 896 horas extras e 6 084 172 horas em prestação de serviço.
Mais uma vez a classe médica foi aquela que mais realizou trabalho suplementar: 6 558 447 – isto, apesar de, a partir de agosto de 2023, terem sido muitos os médicos que apresentaram minutas de recusa à realização de mais horas extra além das que estão obrigados por lei. Os enfermeiros cumpriram 4 922 258 horas extras e as outras categorias 5 428 161.
Quanto à despesa, o total de horas traduziu-se num gasto de quase 500 milhões de euros, mais precisamente em 463 566 306 euros. Só a despesa com a classe médica ascendeu a 310 840 454 euros, a despesa com a enfermagem foi de 89 714 835 euros e com os outros profissionais 63 011 017.
Se ao valor total juntarmos o gasto com todas as horas em prestação de serviço de todos os profissionais do SNS, que foi de 203 062 775, significa que o SNS teve como despesa total de trabalho suplementar e de prestação de serviço 666 629 081 euros.
Contratar fica mais barato do que pagar horas extras, dizem administradores
Uma quantia que o presidente da APAH defende que seria “melhor aplicada na contratação de pessoas e no investimento de melhores condições de trabalho dos profissionais”, explicando:
“Não quer dizer que não pudessem ser usados na valorização das grelhas salariais, ma isso não resultaria em mais pessoas nem substituiria as horas extras nem a prestação de serviço. Só deixamos de ter horas extras e prestação de serviço quando contratamos pessoas”.
Xavier Barreto defende que “contratar pessoas fica mais barato do que estar a pagar horas extras e a pagar prestações de serviço, e digamos que esta é uma má forma de pagar pelo trabalho dos profissionais. Se tivéssemos pessoas contratadas teríamos pessoas a trabalhar nas unidades com uma relação mais estruturada e mais integrada nas equipas, o que é sempre melhor do que ter pessoas em prestação de serviço”.
Mas o gestor concorda que o difícil até agora é ter profissionais para contratar, porque “não os há”. “Teríamos que os ir resgatar ao setor privado e para o conseguirmos teríamos de criar um ambiente de trabalho em que eles se sentissem incentivados a regressar ao SNS”, embora nalgumas especialidades a valorização salarial, sobretudo nos médicos, é tão elevada em relação à do SNS que “não temos condições para competir”.
Contudo, Xavier Barreto acredita que é possível resgatar esses médicos se “criarmos boas condições de trabalho, boas equipas que trabalhem com base no desempenho, na formação profissional e em projetos de desenvolvimento profissional alinhados a médio e longo prazo com o que os profissionais desejam. Tudo isto são condições tão ou mais importantes que os salários”.
Para bastonário, números “são prova cabal do falhanço do sistema”
Carlos Cortes diz ao DN que os números alcançados no ano passado e já nestes primeiros seis meses de 2024 têm de fazer pensar “numa reforma profunda do SNS”. Sobretudo, porque o trabalho extraordinário é feito nas urgências.
“A maior parte das horas extras tem a ver com o trabalho na urgência, que é um trabalho difícil e complexo, e isto só vem provar, no caso dos médicos, que estes fazem turnos atrás de turnos em horário extraordinário, o que não é de todo recomendado”. Por isto, “temos vindo a defender a necessidade de uma reforma profunda do SNS, que nunca existiu desde a sua criação, em 1979, nomeadamente na atividade na área da urgência”.
Para o bastonário estes números são “a prova cabal do absoluto falhanço do sistema”,sublinhando: “De ano para anos assistimos a situações cada vez mais complicadas. Os períodos de verão sempre foram difíceis, mas não se sentiam com este impacto. O último inverno foi dos mais difíceis para os hospitais e o próximo pode ser ainda pior”.
Carlos Cortes insiste mesmo: “Se não houver um grande consenso politico será sempre difícil fazer uma reforma do SNS onde os profissionais se sintam melhor e onde possam dar a resposta cabal aos utentes”.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Pedro Correia / Global Imagens