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Gémeas luso-brasileiras. Perguntas e respostas sobre o caso que levou a buscas no Ministério da Saúde e no Santa Maria

A Polícia Judiciária (PJ) está a realizar, esta quinta-feira, buscas no Ministério da Saúde e no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no âmbito do caso das gémeas luso-brasileiras que foram tratadas em Portugal com um medicamento de milhões de euros.

Estão em causa de crimes como tráfico de influência, abuso de poder e prevaricação. Lacerda Sales, antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde, foi constituído arguido.

O caso está relacionado com o tratamento, em 2020, de duas gémeas residentes no Brasil, que adquiriram nacionalidade portuguesa, com o medicamento Zolgensma.

Com um custo total de quatro milhões de euros (dois milhões de euros por pessoa), este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.

Quem falou sobre o suposto favorecimento?

A mãe das crianças, Daniela Martins, cidadã luso-brasileira. Numa primeira ocasião, quando chegou a Portugal com as crianças, os serviços médicos terão recusado o tratamento. “Chorei nos corredores do hospital”, disse a mulher a um canal de televisão do seu país.

Entretanto, sem saber que estava a ser gravada, a luso-brasileira assumiu que pôs em marcha os seus “contactos”. “Usei o “pistolão”. Conhecia a nora do Presidente, que conhecia o ministro da Saúde [na altura Marta Temido], que mandou um e-mail para lá e falou “E o caso das meninas?”. Eles começaram a receber ordens de cima.”

Quando é que as crianças receberam o Zolgensma?

As meninas receberam o tratamento, de toma única, por via endovenosa em junho de 2020.

Este tratamento tem vantagens para as crianças? As meninas já estavam a receber outro tratamento no Brasil. À TVI, o neuropediatra José Pedro Vieira garantiu que “o tratamento não é curativo. A deficiência que já existia permanece”.

O antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, concorda com o colega e diz que o medicamento, “em termos de eficácia não acrescenta nada”.

No entanto, Daniela Martins, mãe das crianças, afiança que as filhas ficaram “mais ágeis e fortes”, sobretudo na zona dos braços, após a toma do Zolgensma, em Portugal.

Quem autorizou a aquisição do fármaco por parte do hospital?

O medicamento ainda não estava aprovado pela Autoridade Europeia do Medicamento e, por isso, foi necessária uma autorização especial para a sua aquisição. O Infarmed autorizou a compra do medicamento dois dias depois de este ter sido requisitado.

Porém, no dia 21 de outubro de 2021, esta entidade veio explicar as diferenças entre o Zolgensma e o outro medicamento, com o qual as meninas já estavam a ser tratadas no Brasil. O medicamento mais caro do mundo tem de ser ministrado até aos 2 anos de idade e é de toma única.

O outro fármaco tem de ser tomado de quatro em quatro meses, através de uma injeção na medula, para toda a vida. O valor total do tratamento, para as duas crianças, ascendeu a quatro milhões de euros.

O Presidente da República está envolvido na alegada “cunha”?

Marcelo Rebelo de Sousa, questionado pelos jornalistas, numa primeira ocasião, disse não se lembrar se alguma vez o filho, Nuno Rebelo de Sousa, lhe tinha falado no caso das gémeas brasileiras. “À distância de quatro anos, a mãe tem essa ideia de que foi por “cunha”.

Então alguém, com muita influência, passou por cima de Belém, do primeiro-ministro e da sra. ministra. A “cunha” deve ter surgido de outro plano ou então não aconteceu! Se o meu filho me falou… francamente não me lembro”, assegurava o Presidente.

Porém, o médico António Levy Gomes revelou um e-mail, trocado com Marcelo Rebelo de Sousa, em que este se contradiz. O Presidente terá escrito: “No meio de milhentos pedidos e solicitações, falou-me o meu filho Nuno, no caso específico de luso-brasileiros no Brasil. Disse-lhe logo de imediato que não havia privilégio algum para ninguém e, por maioria de razão, para filho de Presidente”.

O que disse mais tarde?

Adiante, o Presidente assumiu que chegou um pedido, à Casa Civil, e que seria “uma questão relevante”. Foram enviadas duas cartas: uma para o gabinete do primeiro-ministro e outra para o gabinete do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

Já em abril deste ano, num jantar com jornalistas estrangeiros, no Palácio de Belém, Marcelo revelou estar de relações cortadas com o filho, devido a este caso. “É imperdoável, porque ele sabe que eu tenho um cargo público e político, e pago por isso”, afirmou, perante a plateia. E acrescentou: “Não sei se ele vai ser responsabilizado, não me interessa”.

O que diz Nuno Rebelo de Sousa?

O filho do Presidente foi abordado à entrada de um evento da Web Summit, em novembro de 2023, e remeteu-se ao silêncio. A mãe das crianças será conhecida da sua mulher.

Foi a primeira vez que o medicamento foi ministrado em Portugal?

Não. Portugal foi dos primeiros países europeus a adotar o Zolgensma no tratamento da atrofia muscular espinal. Matilde, de 4 meses, e Natália, de 11 meses, foram as primeiras crianças a receber este tratamento em Portugal, no final de agosto de 2019.

No Brasil, a mãe das gémeas Maité e Lorena soube do caso e tentou a sua sorte, dado que tem dupla nacionalidade: portuguesa e brasileira. Foi ao Consulado-Geral de Portugal em S. Paulo, onde fez o pedido de naturalização das filhas, no dia 2 de setembro de 2019. O pedido foi aprovado duas semanas depois, a 16 de setembro.

Apesar de, supostamente, haver um tempo de espera de vários meses para a aprovação da nacionalidade, os registos garantem que não houve nada de anormal neste processo.

Outras crianças estrangeiras conseguiram ter este tratamento em Portugal?

Não. Um casal luso-canadiano, Ricardo e Jéssica Batista, fez o mesmo pedido mas não conseguiu que a filha, Daniela, recebesse o medicamento.

Quem marcou a primeira consulta para as gémeas luso-brasileiras? Lacerda Sales, antigo secretário de estado da Saúde, e Marta Temido, então ministra da pasta, estão envolvidos?

Uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação da primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.

Em abril deste ano, a Inspeção Geral de Atividades em Saúde (IGAS) revelou que a primeira consulta das crianças, em dezembro de 2019, foi marcada pela Secretaria de Estado da Saúde.

Lacerda Sales continua a negar ter tido qualquer influência nesta marcação, mas confirma ter sabido do caso através de Nuno Rebelo de Sousa, numa reunião que tiveram no dia 7 de novembro de 2019.

Ao mesmo tempo, a médica que tratou as crianças, Teresa Moreno, garante que a mãe das gémeas lhe terá dito ter “todas as assinaturas garantidas até à ministra da Saúde”.

A médica terá dado esta informação a três superiores hierárquicos, por email, que se encontra anexo ao processo da IGAS. A TVI revelou o conteúdo dessa mensagem de correio eletrónico: “A mãe a certa altura arrogantemente (e habitualmente é muito simpática) diz que só precisa da minha assinatura, pois tem todas as outras garantidas até à ministra da Saúde. Nem comentei… “.

O que diz Marta Temido?

A então ministra da Saúde e atual cabeça-de-lista do PS às eleições europeias garante nada saber sobre o caso das gémeas luso-brasileiras. “Só posso dizer aquilo que já tenho dito: não conheço mais, sobre o caso, do que aquilo que já referi, e que estou disponível a voltar a contar, em qualquer sítio que me perguntem, que não conheço a mãe, não conheço a médica. Não sei mesmo mais nada sobre isso”, comentou, à margem de uma ação de campanha eleitoral.

A antiga ministra diz-se, ainda, disponível para colaborar com as autoridades sobre o assunto. “Sobre esse tema já disse tudo o que tinha a dizer: não tenho nada a ver com o dossiê, além daquilo que já referi à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde. Estou perfeitamente disponível para colaborar com todas as autoridades para o esclarecimento”.

O que vai acontecer na Comissão de Inquérito Parlamentar ao caso das gémeas luso-brasileiras?

Esta comissão foi pedida pelo Partido Chega e será liderada por um elemento desse mesmo partido. Na vice-presidência estará o PS e o PSD. A comissão tomou posse no dia 22 de maio e é composta por 17 deputados. O Chega quer que Marcelo Rebelo de Sousa e Nuno Rebelo de Sousa se apresentem na Comissão Parlamentar para darem esclarecimentos sobre o assunto. O Presidente goza da faculdade de poder responder por escrito.

A comissão parlamentar serve para apurar o que de facto se terá passado neste caso. Segundo o Chega, partido que a pediu, as questões são: “apurar, independentemente dos decisores políticos envolvidos, todas as responsabilidades no favorecimento à prestação de cuidados de saúde às duas crianças luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma (um dos mais caros do mundo), bem assim como na obtenção de nacionalidade, desvendar as possíveis irregularidades cometidas em todo o processo, calcular os custos para o erário público e investigar a existência de outros casos semelhantes num passado recente”.

A comissão parlamentar de inquérito tem quatro meses para chegar a uma conclusão.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Pedro Correa / Global Imagens