Perder o abono família. Perder o emprego. Perder oportunidades de trabalho. Perder a inscrição no centro de saúde. Perder é a palavra repetida na vida de 150 mil imigrantes à espera de terem uma resposta sobre o futuro dos títulos de residência Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que entretanto perderam validade após a sua primeira emissão.
A definição já está nas mãos do Governo de Luís Montenegro, depois de o PS ter deixado para o vencedor das eleições decidir sobre a matéria – a criação de um método que possibilite a renovação, igual ao demais documentos de permanência no país.
O DN tentou saber junto do Ministério da Presidência, com a tutela das Migrações, qual medida será tomada. No entanto, não houve nenhuma resposta aos pedidos de esclarecimento. Empossado há mais de um mês, o Governo ainda não anunciou nenhuma decisão concreta sobre a área da imigração. No entanto, o prazo está a esgotar-se.
Se não for renovado, fica sem efeito a 30 de junho o decreto que torna válidos todos os documentos caducados. Até lá, o Governo precisa de decidir se prorroga a medida, criada pelo PS na pandemia de covid-19 e renovada sucessivamente, ou se decide avançar com um mecanismo que possibilite aos cidadãos com visto CPLP tornarem válidos os títulos de residência.
A situação causa uma série de prejuízos aos imigrantes, como já foi relatado pelo DN em outros artigos. Mesmo com o decreto-lei em vigor, os próprios órgãos públicos não reconhecem a medida do Governo.
É o caso do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSS), que não permite acesso ao subsídio de desemprego aos estrangeiros demitidos ou sem contrato renovado por conta da não validade dos títulos.
O mesmo ocorre a quem recebe abono família. O DN teve acesso a uma notificação de suspensão do benefício por parte do MTSS, de uma utente estrangeira por conta do documento CPLP já não estar válido.
A advogada Priscila Corrêa recebeu vários casos assim nos últimos dias. “Impacta consideravelmente o orçamento dessas famílias carenciadas, cuja maioria conta com um agregado familiar que ronda apenas um salário mínimo, nos exemplos repetidos de famílias monoparentais, em que as mães respondem por todo recurso financeiro que sustenta a casa”, explica ao DN.
A jurista, especialista em Direito Migratório, diz que não entende a situação. “Será que tudo se resume à falta de conhecimento dos funcionários na Segurança Social a respeito do que está em vigor no próprio Governo? Os únicos prejudicados são os mais frágeis dessa relação, os imigrantes”, argumenta. O DN aguarda um posicionamento do Ministério sobre o caso.
Além da indefinição sobre a CPLP, a não liberação do sistema de renovações automáticas e a falta de vagas disponíveis no Instituto de Registos e Notariado (IRN) faz com que imigrantes sejam prejudicados em várias áreas. O DN também recebeu o relato de uma cidadã alemã, residente no Porto há 53 anos, que teve a inscrição no centro de saúde cancelada por não ter o documento válido.
Nora Dams Carvalho diz ter tentado todos os meios de contacto para renovação, porém não conseguiu. A utente contou ao DN que estava inscrita na Unidade de Saúde Familiar (USF) Garcia de Orta, no Porto, há mais de 10 anos e era acompanhada por médico de família.
A utente já solicitou à Junta de Freguesia onde reside o atestado de morada para comprovar que vive na localidade, mas não teve uma resposta do centro de saúde até ao momento e segue sem atendimento médico. “A situação é desesperante”, resume. O DN entrou em contacto com a USF em causa, mas não teve resposta.
Mesmo sem uma definição sobre os processos já existentes no país e os títulos CPLP, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) revelou na passada semana a preparação de acordos laborais com países da CPLP. O DN tentou saber com o Ministério da Presidência como seriam os trâmites destes imigrantes com a AIMA (que tem mais de 300 mil casos acumulados), mas não obteve resposta.
Atualização
O Ministério da Presidência informou ao DN que está a preparar um plano de ação para a área das migrações. O Governo não avança com um horizonte de data, mas afirma que “está para breve”. O ministério assegura também que, dentro deste plano, estará uma solução para os títulos de residência CPLP.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
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