O resultado das eleições presidenciais na Rússia pode ser sintetizado na mensagem que o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, publicou na sexta-feira, o primeiro dos três dias de votação, na rede social X: “Gostaria de felicitar Vladimir Putin pela sua vitória esmagadora nas eleições que começam hoje. Sem oposição. Sem liberdade. Sem escolha”.
Contados que estão os votos, Putin foi reeleito com um recorde de 87,28% dos votos (mais dez pontos que há seis anos), garantindo a permanência no Kremlin até 2030, sendo que as mudanças que fez há quatro anos na Constituição permitem-lhe ainda mais um mandato, ou seja, até 2036, altura em que terá 83 anos. Os aliados da Rússia felicitaram o chefe de Estado, ao contrário das potências ocidentais, que colocaram em causa a validade das eleições.
Esta segunda-feira, num concerto na Praça Vermelha dedicado à celebração da sua vitória e do 10.º aniversário da anexação da Crimeia, Vladimir Putin deixou já antever um dos objetivos dos seus próximos anos de governação, ao saudar o “retorno” à Rússia dos territórios anexados na Ucrânia. “De mãos dadas avançaremos e isso tornar-nos-á mais fortes… Viva a Rússia!”, disse Putin à multidão, surgindo acompanhado pelos seus três adversários presidenciais, os únicos aprovados pela Comissão de Eleições e nenhum deles um opositor do líder russo.
“Há dez anos, aqui na Praça Vermelha, neste mesmo palco, lembrei de que a Crimeia é frequentemente chamada de porta-aviões inafundável e é apropriado dizer que a Crimeia regressou ao seu porto de origem”, referiu Vladimir Putin na sua curta intervenção. “Ao longo de décadas, eles tiveram fé na sua pátria. Eles nunca se separaram da Rússia e foi isso que permitiu que a Crimeia regressasse à nossa família comum”.
O presidente russo também declarou o Donbass e outras áreas ocupadas como a “Nova Rússia”, sublinhando que está a ser construída uma nova ligação ferroviária através de partes ocupadas da Ucrânia, regiões que “declararam o seu desejo de regressar às suas famílias nativas”. “Tudo isto está a acontecer graças a vocês, cidadãos da Rússia”, acrescentou.
Segundo analistas internacionais, este quinto mandato de Vladimir Putin será um prolongamento do anterior, com a continuação na guerra na Ucrânia, e a consequente confrontação com o Ocidente, e um maior controlo a nível interno, num país onde a dissidência já não é tolerada sob uma repressão em rápida aceleração.
Tudo isto usando como validação os 87% de votos alcançados nestas eleições, ou como o porta-voz do Kremlin referia na manhã desta segunda-feira, a vitória de Putin mostrou que os russos estão firmes “em torno do caminho dele”, apelidando-a de “um resultado excecionalmente perfeito”.
“Putin vai continuar a dizer ao seu povo mais do mesmo sobre o seu lugar na História e a necessidade da sua guerra na Ucrânia. As armas nucleares russas são grandes e assustadoras, a sociedade russa é uma grande família feliz, a economia do tempo de guerra está a ir bem, o futuro multipolar veio para ficar, basta manter a fé nesta guerra eterna com o Ocidente”, escrevia ontem Diana Magnay, correspondente internacional da Sky News.
“Muitos, talvez a maioria, dos russos absorverão essa mensagem porque é transmitida de uma forma convincente e generalizada, mas há também uma sensação de desconforto face à guerra, uma incerteza e uma falta de vontade de olhar para o futuro ou de planear o futuro”, referiu a mesma jornalista.
A guerra na Ucrânia foi acompanhada por um crescendo da erosão dos direitos civis dos russos e a detenção de cidadãos por motivos que passaram de pequenos delitos a atos subversivos. Só nestas eleições, segundo a agência Interfax avançou ontem, 61 processos criminais foram iniciados pelo Ministério do Interior russo e 150 atos de infração administrativa foram emitidos, sendo que o maior número de processos criminais foi por anúncio de um ato de terrorismo deliberadamente falso (23) e obstrução do exercício dos direitos dos eleitores (21).
Há ainda a registar a detenção de 80 pessoas. “Todas estas pessoas que rodeiam Putin estão a participar numa corrida de iniciativas de repressão. Ser leal é inventar novas repressões, novas emendas às leis sobre agentes estrangeiros, aos media, ao código criminal”, defendeu Andrei Kolesnikov, do think tank Carnegie Russia Eurasia Center.
Escolha baseada na repressão
Os aliados do presidente russo felicitaram-no ontem pela conquista de um quinto mandato no poder, mas as potências ocidentais denunciaram a eleição como ilegítima, realizada sob condições repressivas e sem oposição credível. Pequim parabenizou Putin, dizendo que os dois países são “parceiros cooperativos estratégicos na nova era” e que o resultado “reflete plenamente o apoio do povo russo”, informaram os media estatais chineses.
Já o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, ofereceu as suas “calorosas felicitações” a Putin, acrescentando que espera desenvolver a sua relação “especial” – a Rússia é o maior fornecedor de armas da Índia. Kim Jong-un, da Coreia do Norte, disse que os eleitores russos demonstraram o seu “apoio e confiança inabaláveis” em Putin, de acordo com a KCNA.
“Este foi um processo incrivelmente antidemocrático”, referiu o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, dizendo que Putin “provavelmente continuará a ser o presidente da Rússia, mas isso não o isenta da sua autocracia”.
Os países da União Europeia afirmaram num comunicado conjunto que foi negada aos russos uma “escolha real” depois de todos os candidatos que se opunham à guerra na Ucrânia terem sido excluídos. O chefe da política externa da UE, Josep Borrell, disse ainda que a votação foi “baseada na repressão e na intimidação”.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Natalia Kolesnikova / AFP