Pesquisar
Close this search box.

A guerra sem fim que mexe com todo o Médio Oriente

O ano de 2023 parecia ser o ano da desescalada da tensão no Médio Oriente, com um acordo inédito de reconciliação entre o Irão e a Arábia Saudita (assinado em março com a mediação da China), e negociações com o apoio dos EUA para que os sauditas pudessem ser os próximos a normalizar as relações com Israel.

As guerras na Síria e no Iémen estavam num impasse, abrindo a porta ao diálogo, sendo que o presidente sírio, Bashar al-Assad, estava de novo a ser chamado para o palco internacional após anos de isolamento.

Mas tudo mudou a 7 de outubro, quando o grupo terrorista Hamas atacou de surpresa Israel, matando 1139 pessoas (incluindo 695 civis israelitas, 36 dos quais crianças, e 71 estrangeiros) e levando mais de 200 reféns de volta para a Faixa de Gaza, segundo os cálculos israelitas.

O Governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu respondeu atacando o enclave palestiniano, com bombardeamentos e uma incursão terrestre (esta só a partir de 27 de outubro).

Excetuando uma pausa humanitária de sete dias, que permitiu libertar mais de uma centena de reféns em troca de presos palestinianos, os ataques diários já causaram a morte a mais de 20 mil pessoas, segundo as autoridades de Gaza controladas pelo Hamas, e obrigaram milhões a fugir de casa em direção a sul, onde também não estão a salvo dos bombardeamentos, da fome e das doenças.

Os combates podem estar concentrados no enclave palestiniano, mas a violência chega também à Cisjordânia ocupada, ao sul do Líbano pela mão do Hezbollah e ao Mar Vermelho, graças aos drones e mísseis dos rebeldes hutis, do Iémen, que põem em causa a navegação comercial e obrigaram os EUA a criar uma força internacional para tentar garantir a segurança dos navios que passam nesta que é uma das rotas marítimas mais importantes do mundo.

Na prática, são os grupos do Eixo da Resistência do Irão que estão a manter a região em alvoroço.

O ano de 2023 termina com a guerra longe do fim – Israel avisa que pode demorar meses. Netanyahu insiste nos três grandes objetivos da operação em Gaza: derrotar o grupo terrorista palestiniano do Hamas, libertar os reféns e garantir que existirá um novo sistema de segurança no enclave e que Israel não será novamente atacado.

Quanto a derrotar o Hamas, as Forças de Defesa de Israel ainda não conseguiram neutralizar aqueles que apresentaram como os seus principais alvos, nomeadamente o líder do grupo terrorista em Gaza, Yahya Sinwar, e o líder do seu braço militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, Mohammed Deif. Além disso, o Hamas ganha apoios em Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Em relação aos reféns, a pausa humanitária permitiu a libertação de uma centena, mas ainda há outra centena à espera de um novo acordo entre Israel e o Hamas, que estará a ser negociado, mas ainda parece longe de estar concluído.

Entretanto, Netanyahu continua a sentir a pressão por parte das famílias dos reféns, que exigem que faça mais para garantir a sua libertação, ainda para mais depois do choque de as Forças de Defesa de Israel terem matado três deles por engano – confundiram-nos com alegados terroristas, apesar de estarem em tronco nu e terem improvisado uma bandeira branca.

Por último, o novo sistema de segurança em Gaza e o futuro do território – onde a ajuda humanitária entra a conta-gotas, muito aquém das necessidades dos dois milhões de deslocados, como continuam a alertar as Nações Unidas.

Netanyahu insiste que o enclave não será mais um “Hamastão”, mas também não será um “Fatahstão”, referindo-se à Fatah, o partido do líder da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, cuja popularidade tem vindo a cair na Cisjordânia ocupada.

Não é claro que papel terá em Gaza a Autoridade Palestiniana, mesmo que reformada, sendo que nem a ideia da solução de dois Estados é aceite pelo Governo israelita – o mais à direita de sempre.

“Se a guerra terminar com uma nova ocupação israelita de Gaza e uma expansão acelerada dos colonatos na Cisjordânia, o impulso para uma maior normalização com Israel irá abrandar e a opinião pública árabe solidificar-se-á contra ela; ao mesmo tempo, os EUA enfrentarão ventos contrários nas suas relações regionais”.

“O Irão e os seus representantes, bem como os grupos extremistas sunitas radicais, beneficiarão desta polarização e ganharão mais adeptos e influência”, escreveu o presidente e CEO do Middle East Institute, Paul Salem.

“Por outro lado, se a guerra for seguida de um esforço de paz robusto, liderado pelos EUA, mas incluindo os principais intervenientes globais e regionais, a região poderá tomar uma direção muito mais positiva, deixando os radicais e os desmancha-prazeres à margem”, acrescentou.

Protagonistas

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita

Após mais de 15 anos no poder em Israel (em dois períodos de tempo diferentes), Benjamin Netanyahu regressou à chefia do Governo em 2022, à frente de um Executivo mais à direita do que nunca. A reforma judicial que empreendeu, sendo que ele próprio está a braços com a justiça, desencadeou semanas de protestos inéditos.

O ataque terrorista de 7 de outubro calou essas manifestações, mas não a contestação. Afinal, um Governo tão focado na segurança não foi capaz de travar o Hamas e, agora, parece ignorar os apelos a um cessar-fogo que abra a porta à libertação dos reféns. A dúvida é se sobrevive politicamente a 2024.

Ismail Haniyeh, líder político do Hamas

Tem sido o rosto da diplomacia do grupo terrorista durante a guerra em Gaza, viajando até ao Egito para negociações sobre os reféns ou recebendo os enviados do Irão. Destacando a resiliência do povo palestiniano, o líder político do Hamas insiste que este está preparado para uma longa guerra.

Mas não está em Gaza – Ismail Haniyeh vive há anos no Qatar -, ao contrário de outros na lista de alvos a abater de Israel: o líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, e o líder do braço militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, Mohammed Deif. O ataque de dia 7 causou a guerra, mas o Hamas ganha apoios em Gaza e na Cisjordânia ocupada.

Mahmud Abbas, líder da Autoridade Palestiniana

Responsável pela Cisjordânia ocupada, o líder da Autoridade Palestiniana é contestado há anos devido à falta de eleições no território e à conivência com Israel em matéria de segurança, enquanto este prossegue a construção de colonatos na região.

Face à guerra, Mahmud Abbas insiste em denunciar a violência e em falar da solução de dois Estados – afinal ele foi um dos arquitetos dos Acordos de Oslo, que criaram as bases para tal. Mesmo se a Autoridade Palestiniana tiver uma palavra a dizer no futuro de Gaza no pós-guerra, isso não significa que Abbas seja um dos interlocutores.

Fonte: Diário de Notícias / Portugal

Crédito da imagem: Ack Guez / AFP