Prevenir e mediar são as palavras-chave da 9.ª Conferência Internacional Igualdade Parental, que hoje tem lugar em Lisboa. O objetivo é evitar que os filhos sejam uma “arma de arremesso” quando os casais se separam e, se tal acontecer, lembrar que há formas de mediar esse conflito.
É um evento organizado pela Associação Portuguesa para a Igualdade e Direitos dos Filhos (APIDF) e regressa depois de ter sido interrompido nos anos da pandemia. A conferência de hoje tem como tema “Da prevenção à intervenção em conflitos parentais” e terá lugar na Universidade Lusófona.
“Este ano, vamos fazer diferente. Será uma conferência mais focada na solução: a prevenção e a intervenção em conflitos parentais. É mais virada para os profissionais, que são quem pode ajudar a resolver os problemas já que os pais não os conseguiram resolver, caso contrário não teriam uma ação em tribunal”, explica Ricardo Simões, presidente da associação.
Fala nas situações em que o casal não se entende quanto ao exercício das responsabilidades parentais e recorrem aos tribunais para tomarem uma decisão, o que não é garantia de que os conflitos acabem.
Em Portugal, deram entrada nos tribunais de família e menores 31 181 processos cíveis das responsabilidades parentais em 2021, sendo que 11 356 (36,4%) foram por incumprimento. Registaram-se 12 790 (41%) pedidos de regulação.
Às três dezenas de milhar de novos casos por ano, juntam-se 17 530 pendentes, entre os quais 6144 (35%) de regulação das responsabilidades parentais e 5958 (34%) por incumprimento.
Em média, os processos do âmbito familiar demoram oito meses a ser concluídos, o que depende do tipo de ação.
Os que demoram mais tempo implicam decisões complexas, como as restrições ao exercício do papel de pai ou mãe (13 meses em média) e mesmo a inibição total desse direito (entre 15 meses e dois anos).
Portugal, refere Ricardo Simões, é das nações que menos recorre à mediação. “Outros países estão na fase de implementar protocolos para resolver estes problemas e nós não estamos sequer a refletir sobre isso. É urgente que nos concentremos nas soluções”.
A associação surgiu em 2009 com o objetivo de introduzir a noção de “alienação parental”, em que um dos progenitores manipula a criança ou adolescente para o afastar do outro progenitor. “É um conceito polémico, mas hoje todos sabem que esse comportamento existe. Tínhamos de fazer esta caminhada para chegarmos aqui”, sublinha Ricardo Simões.
A APIDF e o Instituto Português de Mediação Familiar têm uma proposta de alteração ao Decreto-lei n º 47344/66, de 25 de novembro (Código Civil), no sentido de introduzir a pré-mediação familiar obrigatória.
“Em média um processo judicial em Portugal leva 547 dias para obter uma primeira decisão no tribunal e tem um custo de aproximadamente 13% do valor da ação – custas judiciais, honorários e custos de execução da decisão (World Bank Doing business data), enquanto a mediação tem como limite temporal os 90 dias, ainda que prorrogáveis.
O custo da mediação (pública) não ultrapassa os 50 euros, para cada parte, mas em muitos casos está isenta”, explicam na proposta que desde há dois anos têm vindo a apresentar aos grupos parlamentares. Falta reunir com os deputados do PSD, BE e PAN.
A 9.ª Conferência Internacional Igualdade Parental teve boa adesão sobretudo dos técnicos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), com mais de 30 inscritos. “A SCML tem vindo a assumir responsabilidades, através de um acordo com a Segurança Social, em matéria de assessoria aos tribunais de família, pelo que é natural o interesse destes profissionais”, justifica Rui Godinho, diretor da Direção de Infância e Juventude
Trata-se da Unidade de Supervisão e Qualificação de Assessoria ao Tribunal, uma equipa multidisciplinar – serviço social, psicologia, educação social e direito – que presta assessoria técnica aos tribunais de família e menores de Lisboa, no âmbito dos processos tutelares cíveis. No resto do país, cabe à Segurança Social.
A conferência inclui sessões de trabalho com os profissionais. O primeiro com Yvonne Parnell (Canadá) (ver entrevista), doutorada em neuropsicologia e autora do Protocolo Family Bridges Aftercare, “Relacionamentos desafiantes e alienantes entre pais-filhos”.
Dorcy Pruter (EUA), fundador do Conscious CoParenting Institute, abordará o “Protocolo de reunificação familiar”. Lúcia del Prado del Castillo (Espanha), presidente da Fundación FILIA de Amparo al Menor, apresenta o exemplo espanhol, Coordenação Parental.
Os especialistas que irão dinamizar o debate são Lisa Parkinson ((UK)), vice-presidente da Associação de Mediadores Familiares de Inglaterra e País de Gales, Paulo Halegua (Brasil), Linda Gottlieb (EUA), fundadora e terapeuta da Turning Points for Families e Alberto Sá e Mello, doutorado em direito, da Universidade Lusófona.
Países apostam na pré-mediação
Internacional
Estudos internacionais demonstram que o recurso à mediação resulta numa redução de custos para todos, económicos e sociais. O volume dos processos judiciais pode diminuir até 38%. É o que comprovou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ao analisar a mediação pré-processual obrigatória na Argentina, de 1996 a 2010, relatório de 2011.
União Europeia
A recomendação (R 98), de 1998, do Comité de Ministros do Conselho da Europa pede aos governos que instituam, promovam ou reforcem a mediação familiar. Realça, ainda, a hipótese de instituição de regime de pré-mediação obrigatória. A Direção Geral das Politicas Internas do Parlamento Europeu vai no mesmo sentido (estudo de 2020).
Reino Unido
O programa Practice Direction on Pre-action Conduct (Orientação Prática sobre Conduta Pré-ação) encoraja o potencial queixoso a informar o potencial réu sobre as formas de resolução alternativa de litígios que considera adequadas e convida-o a fazerem um acordo.
Alemanha e Itália
A maioria dos países europeus não tem tradição na fase pré-contenciosa, mas alguns têm feito um caminho nesse sentido nos últimos 10 anos. É o caso da Alemanha e da Itália, onde os advogados devem declarar se ação foi ou não precedida de mediação. Em Itália, as taxas de sucesso da pré-mediação variam entre 48% e 76%.
França
Decorrem experiências de mediação prévia obrigatória nos tribunais de família, de
Bayonne, Bordeaux, Cherbourg-en-Cotentin, Évry, Nantes, Nîmes, Montpellier, Pontoise, Rennes, Saint-Denis e Tours. Estão excluídos os casos com antecedentes de violência doméstica ou em que um dos progenitores tenha cometido algum ato violento.
América do Norte
Em Ontário e Québec, (Canadá), e na Califórnia e no Ohio (EUA), a introdução da pré-mediação obrigatória resultou num decréscimo de casos pendentes em tribunal.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: https://igualdadeparental.org/conferencia/