“Não tenho condições de aceitar.” Rita Marques já não vai para a WOW, a empresa a que deu estatuto de utilidade pública. Apesar da censura de Costa e de Marcelo, a ex-governante continua a não reconhecer que beneficiou a futura empregadora e que se limitou a confirmar uma decisão que já tinha sido tomada.
Quatro dias depois da notícia ter sido publicada, um dia depois do primeiro-ministro lhe ter apontado falta de “ética republicana” e poucas horas depois de o Presidente da República lhe ter apontado falhas legais e éticas, Rita Marques, a ex-secretária de Estado do Turismo renunciou à posição na empresa do setor para onde ia trabalhar.
“Nos últimos dias, o meu nome surgiu envolto num elevado fluxo noticioso que não se coaduna com os valores que defendo”, escreveu Rita Marques na rede social Linkedin. “Considerando que a minha carreira profissional tem sido sempre pautada pela competência, pelo rigor, por estritos princípios e valores éticos, e pelo cumprimento incondicional da lei, entendo que não tenho condições de aceitar, nesta altura, o convite que me foi dirigido, e que previa que eu iniciasse funções a 16 de janeiro”.
Quando a notícia foi avançada pelo “Observador” no domingo, Rita Marques respondeu que não via qualquer obstáculo legal ou ético em gerir o quarteirão cultural WOW em Gaia, dedicado vinhos, propriedade da Fladgate Partnership a quem deu estatuto de utilidade turística: “Tendo desenvolvido toda a minha atividade profissional no setor privado, era para mim evidente que esta exoneração implicava o regresso ao mundo empresarial. Assim acontece.”
As críticas choveram de todos os quadrantes, mas a ex-governante – que saiu do Governo depois de ter desautorizado o ministro da Economia no caso da baixa de IRC – perdeu qualquer chão político depois das intervenções de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa. Esta quarta-feira, no Parlamento, o primeiro-ministro contrariou a leitura da antiga secretária de Estado e censurou-a em termos definitivos: “Não me revejo naquela atitude. É ilegal e não corresponde à ética republicana”, disse.
Esta quinta-feira foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa ser duro nos termos: “É um dos casos talvez mais claros do ponto de vista ético e do ponto de vista legal. Para mim já era eticamente óbvio, havendo lei é legalmente óbvio” disse o Presidente em declarações aos jornalistas.
No seu comunicado, Rita Marques diz que achava não ter nenhum impedimento à aceitação do cargo: “Feita a análise do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (Lei n.º 52/2019, de 31 de Julho), firmei a convicção de que nenhum obstáculo se colocava à assunção daquelas funções”.
A ex-secretária de Estado continua, porém, a insistir no argumento de que a confirmação do estatuto de utilidade turística não foi a atribuição de um benefício, porque já estava decidido: “Não tive, no desempenho das minhas funções, qualquer papel na atribuição de incentivos financeiros ou sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual a esta Sociedade; e não tive qualquer intervenção direta em matéria da qual tenha resultado um benefício concreto para aquela Sociedade, já que, como é público, limitei-me a confirmar a utilidade turística a um empreendimento turístico que goza de estatuto de ‘Projeto de Interesse Nacional – PIN’ e cuja utilidade turística tinha sido conferida antes de eu iniciar funções de secretária de Estado”.
Não foi, porém, esse, o entendimento geral: a censura política foi unânime e nem no PS apareceu qualquer voz a defender Rita Marques, que permanece isolada a alegar que não atribuiu qualquer incentivo ou benefício à empresa que a ia contratar.
Fonte: Jornal Expresso / Portugal
Crédito da imagem: António Pedro Santos / Lusa