O pior atentado terrorista da História de Espanha foi há 20 anos. Naquela manhã, as explosões em quatro comboios causaram a morte a 192 pessoas e ferimentos noutras duas mil. O balanço final de vítimas seria 193, já que inclui também um polícia que morreu, três semanas depois, numa operação para deter os terroristas.
Mas, a dias das legislativas, depois de o então Governo do Partido Popular (PP) ter insistido em atribuir a culpa aos bascos da ETA, quando as primeiras pistas apontavam para o jihadismo, não foi só o Executivo que mudou de cores, foi a vida dos espanhóis.
“Apesar de ser doloroso e triste todos os dias, quando uma data como esta chega é muito pior. Porque passados 20 anos, ainda pergunto porquê, o que é que estas mortes conseguiram?”, disse à AFP Ángeles Pedraza, cuja filha Miryam, de 25 anos, morreu nos atentados. “Tento não ser amargo e não vivo com ódio, mas nunca perdoarei a quem fez isso à minha filha”, acrescentou.
Dez bombas colocadas dentro de mochilas em quatro comboios da rede suburbana de Madrid, que tinham como destino a Estação de Atocha, explodiram, quase simultaneamente, em plena hora de ponta de 11 de março de 2004.
Outras três bombas não chegaram a rebentar. Naquele dia, 190 pessoas morreram. Três semanas depois, um polícia foi morto quando sete terroristas se suicidaram para não serem detidos, fazendo explodir um apartamento em Leganès.
Dois meses após os atentados, morreu um bebé de apenas dois dias, tendo a causa da morte sido relacionada com os ferimentos sofridos pela mãe no atentado. E 10 anos depois, morreu uma mulher que estava desde o dia do atentado em coma, aumentando para 193 o número total de vítimas mortais.
Hoje, haverá um ato de homenagem na Porta do Sol, além de uma missa na Catedral de Almudena. Ontem, na véspera do 20.º aniversário, foi inaugurado um novo monumento em Atocha – debaixo do local onde tinha sido criado o primeiro, desmontado por ocasião das obras na Linha 11 do Metro de Madrid. Foi ainda ligado um feixe de luz azul para lembrar as vítimas.
O novo espaço de recolhimento, de dois mil metros quadrados, tem 193 focos de luz do teto (uma por cada morto) e está pintado de azul cobalto. Tem gravados os nomes dos mortos, assim como frases que já se podiam ler no monumento desmontado – “Não à violência”; “Não há caminho para a paz, a paz é o caminho” ou “Todos íamos nos comboios”, além de textos em várias línguas (incluindo português).
A mentira da ETA
Foi o maior atentado terrorista jihadista da Europa – o 11 de março é hoje o Dia Europeu das Vítimas do Terrorismo -, mas há 20 anos, em vésperas das legislativas em Espanha, o então primeiro-ministro José María Aznar, do Partido Popular (PP), apontou o dedo aos bascos da ETA.
Arnaldo Otegi, na altura dirigente do partido político Batasuna (ilegalizado pela sua associação à ETA) e atualmente membro do Bildu, rejeitou no próprio dia a responsabilidade do grupo terrorista basco, autor de dezenas de atentados e assassinatos desde 1968.
Desde o início que os especialistas duvidaram da teoria da ETA, por causa da metodologia dos ataques, mas o Governo classificou essas indicações como “enganadoras”.
Mesmo depois de, dentro de uma carrinha roubada em Alcalá de Henares – de onde tinham partido os comboios onde se registaram as explosões -, terem sido encontrados detonadores, junto com versos do Corão.
O atentado foi depois reivindicado pela Al-Qaeda na Europa, falando numa resposta ao envolvimento de Espanha na guerra do Iraque.
O PP perderia as eleições para o PSOE, liderado por José Luis Zapatero, por causa da forma como lidou com o atentado e como insistiu na teoria da ETA. Em três anos de investigação, nada apontou para qualquer ligação entre os jihadistas e os bascos, que em outubro de 2011 renunciariam à luta armada.
Após chegar à Moncloa, Zapatero deu ordens para retirar as tropas do Iraque. Mas as teorias da conspiração continuaram e, 20 anos depois, Aznar ainda não pediu desculpas.
Em 2007, foram julgados 29 suspeitos de pertencerem à célula terrorista responsável pelos atentados – juntamente com os sete que morreram na explosão no apartamento em Leganès. 18 acabaram condenados, três deles com penas de prisão superiores a 30 mil anos. Estes três, entre eles um ex-mineiro espanhol que forneceu os explosivos, continuam na prisão.
Para muitas vítimas e sobreviventes, ainda há dúvidas sobre quem deu a ordem para o atentado e quem o financiou – apesar de o juiz responsável pelo caso lembrar que o terrorismo jihadista é low-cost. Os atentados terão custado 50 mil euros.
A luta antiterrorista
Nos últimos 20 anos, as autoridades espanholas detiveram 1046 alegados terroristas jihadistas em 407 operações, segundo informaram responsáveis da luta antiterrorista à Agência EFE.
As autoridades defendem que estão hoje mais bem preparadas para lidar com este tipo de terrorismo, mas insistem que não há “risco zero” – em agosto de 2017, 16 pessoas morreram nos atentados de Barcelona.
Para isso contribuiu o facto de o próprio terrorismo jihadista ter mudado, de hierarquizado sob a Al-Qaeda aos chamados “lobos solitários” com ligações ténues ao Estado Islâmico ou a outros grupos.
Um estudo do Real Instituto Elcano, citado pela Europa Press, diz que a Al-Qaeda deixou de ser o modelo de referência para os jihadistas em Espanha, que agora têm no Estado Islâmico a sua única fonte de inspiração.
Além disso, de uma radicalização em pessoa passou-se a uma radicalização através das redes sociais, com cada vez mais mulheres e menores envolvidos.
Fonte: Diário de Notícias / Portugal
Crédito da imagem: Christophe Simon / AFP